O avião (fevereiro de 2021)

O saguão do aeroporto quase vazio indicava que algo de incomum estava acontecendo. Era fevereiro e a pandemia já havia varrido de norte a sul o país. As pessoas que não tinham a necessidade de fazer viagens, estas tiveram que ficar em casa. Eu, representante comercial, precisava fazer aquela viagem a trabalho.

Cheguei como de hábito uma hora e meia de antecedência ao aeroporto. Fiz o check-in assim que ele abriu e em seguida entrei para o saguão de espera. Além de mim, apenas um senhor com um surpreendente chapéu de boiadeiro, grande – e máscara. Aliás, a esta altura não havia quem não usasse máscara. Era obrigatório usar a máscara.

E o tempo passou lentamente. O saguão era imenso como a boca de uma baleia gigante que aceitara alojar nós dois, até então os passageiros daquele voo. Foi quando chegou uma senhora grávida carregando em uma das mãos um menino que deveria ter um ano de idade. Ela aparentava cansaço. Compreendi que estava à espera da mesma aeronave.

A boca da baleia continuava gigantesca, enorme, branca, mas generosa por aceitar-nos ali. Por precauções sanitárias, as cadeiras do saguão estavam dispostas de forma a disponizar um assento e vetar dois com fita plástica. Isto é, não havia como dois passageiros utilizarem cadeiras contíguas. O que se repetiria (pensei) no avião.

Já fazia um ano que não viajava de avião. Em geral, viajava a cada três ou quatro meses, mas nesse ano de 2020 a pandemia mexeu com todo o mercado. Havia somente necessidade que eu viajasse no intervalo de seis meses. Aproveitei então para fazer visitas ao comércio local, investindo nos negócios da cidade em que me estabeleci.

Contudo, chegou o dia em que meus préstimos de divulgador das marcas de pisos e azulejos chegou, e eu pus-me a caminho da cidade grande onde haviam requerido um profissional para apresentar os produtos para possíveis compradores. A pandemia vinha vencendo, mas assim mesmo o comércio lograva sobreviver à peste. A duras penas.

Eu estava de máscara, distante de qualquer ser humano, e carregava meu álcool em gel na bolsa. Havia perdido uma tia para a Covid-19 e isso atiçava em mim um medo de ter um final igual. Por isso seguia a risca as recomendações da OMS para defender-me do vírus. E já havia um ano que eu conseguira evitar a doença com sucesso.

Um avião pousou na pista lá fora. A vidraça permitia ver que era o meu voo, de minha companhia aérea. Ele taxeou na pista e veio a estacionar rente ao corredor que leva os passageiros para dentro. É tudo muito barulhento, mas não deixa de ser fascinante a obra que o ser-humano pode conceber. Eu sempre viajo de avião maravilhado.

O avião estacionou rente ao corredor, então não faltaria muito para chamarem os passageiros para embarcar. No visor do saguão faltavam vinte e cinco minutos. E juntaram-se a nós na boca da baleia, branca e limpa, cerca de oito passageiros. Eis que chamou minha atenção a presença de uma passageira muito obesa toda enfeitada.

Essa senhora parecia confundir algumas coisas, ou não. Talvez embarcasse em outro aeroporto com destino ao polo norte. Estava paramentada com a mascara e, com nervosismo, expremia um frasco de álcool em gel a todo momento em suas mãos. Sobre si, carregava pesados agasalhos de lã que a fazia transpirar muito no rosto e corpo.

A senhora sentou-se na fileira à minha frente e eu pude observa-la de soslaio. E a imaginação voou solta. Não estava com febre, não era este o motivo dos agasalhos de lã: havíamos todos passados pela testagem de um termômetro antes de entrarmos no saguão. Mas vai lá entender as outras pessoas! Ao menos, não tinha o covid – 19.

Ouvimos no alto-falante a chamada para o embarque. Logo formamos uma fila. Os passageiros se posicionaram na fila de acordo com seus cartões preferenciais e idade. Eu fiquei na fila da esquerda, dos viajantes comuns. Observei que, em tempos não pandêmicos as filas estariam imensas. Não hoje.

O homem de chapéu de boiadeiro foi o primeiro a entrar, o que só pode ser por conta de sua idade. E depois dele aos poucos fomos todos entrando na cabine. Sentei-me próximo da janela, logo na primeira metade do avião. Fui curiosamente encarando todos os outros passageiros que passavam por mim.

Por motivos de segurança, novamente, ao meu lado não poderia seguir ninguém nessa viagem. O distanciamento era cobrado e seguido à risca. Vi o momento em que a senhora obesa entrou. De perto, parecia muito mais jovem. Ela puxava uma grande bagagem de mão.

Com uma mão, ela puxava a bagagem. Com a outra, tocava a gola das roupas de lã que pareciam incomodá-la. E então sumiu para dentro da cabine. Continuei não compreendendo a razão em vestir-se para o polo norte. Mas acreditei na possibilidade de estar para trocar de voo e viajar para algum lugar nos Estados Unidos ou Europa.

Então, entrou a senhora grávida carregando o menino com uma das mãos. Se eu estivesse em seu lugar, já teria pedido ajuda. Tinha a cara vermelha por conta do esforço que fazia ao carregar um bebê já avantajado na barriga e outro, crescido, pendurado no braço. Mas ela não dizia nada, apenas arfava.

No instante em que todos os passageiros estavam sentados, uma aeromoça pressionou um botão que liberou o gás oxigênio sobre as cabeças de todos nós. Eu me senti agradecido. Alguma ventilação ali causava bem-estar e a certeza de que, se houvesse o coronavírus na cabine, este talvez fosse varrido para fora da porta dianteira da cabine.

Não demoraria muito para fecharem a porta e as aeromoças fazerem seu balé com as máscaras de emergência do avião. Começariamos a taxiar e decolaríamos em breve. O menino da senhora grávida começou a chorar. Muitos sentiram-se irritados e olharam para ela. O comandante nos deu boas-vindas em nome da tripulação.