Memórias derradeiras

Inspirar.

Expirar.

Como algo tão banal pode provocar tanta dor?

Meu peito arde cada vez que o ar entra pelas minhas narinas e seguem até inundar os pulmões de ar.

Sinto meus olhos lacrimejarem.

Lá embaixo, ouço vozes alegres.

Elas parecem zombar de mim. Caçoam, mesmo que inconscientes, da minha desgraça.

Meu destino estava traçado há muito tempo e recusei-me a ver. Ver que era um desafortunado, um desgraçado que com o passar dos anos se enterraria num leito hospitalar e esperaria a morte chegar.

Vejo um teto pálido, assim como as paredes.

O som dos aparelhos que monitoram meus sinais vitais é angustiante.

Todas as tardes eles estão aqui. Olhos marejados e expressões doloridas. Meus entes queridos.

Não sei se merecia tanto amor.

Sinto uma paz que até me esqueço da dor.

Porque Deus me escolheu para sofrer? Chego a pensar se ele não se diverte com minha tragédia. Seria ele sádico a este ponto?

Eles chegam, choram, disfarçam com sorrisos e me dizem palavras amorosas. Sabem que não tem volta.

Eu sei.

Por mais que eu deseje, sei que não tem volta.

E da mesma maneira com que chegam eles se vão.

E a dor retorna.

É a última vez que os verei. Tenho consciência que logo partirei.

Na manhã seguinte acordo com pouca dor.

É um sinal.

A luz do sol está pálida. O aparelho de monitoração está baixo. Sinto-me menos cansado.

Ouço as enfermeiras.

Algo sobre o leito 07. Algo sobre alguém morrendo.

Meus olhos escurecem.

Ainda consigo sentir alguém perto de mim.

Uma enfermeira.

Até que deixo de sofrer.

A dor me abandona.

A consciência me deixa e passo a ser apenas, um corpo no leito 07.