Diálogos com uma Garrafa.

Outro dia, em Barretos, aprendi a beber absinto. Estava sozinho em um boteco fedorento da Avenida 43 e vi uma garrafa azul na prateleira. A garrafa estava peluda devido à gordura do local. Botecos sujos carregam uma aura única e transcendental. Ao fundo um ébrio daqueles barbudos e esquálidos cambaleava a cabeça tentando segurá-la. Pedi uma cerveja e fiquei a perscrutar aquela garrafa peluda com um líquido azul. O rótulo estava apagado como um santinho de político lançado ao tempo meses após as eleições. Aquela garrafa me olhava também! Pedia que eu a bebesse. Era estranha e taciturna. Os únicos líquidos azuis que eu conhecia até então eram produtos de limpeza, gasolina de avião e aqueles líquidos de sorvete de quermesse. Daquele jeito, nunca! jamais conversei com uma garrafa como aquela. Ela me dizia muitas coisas da vida e de tempos que eu nem sequer sonhava em nascer. Dos loucos tempos medievais, onde o álcool quase acabou com a raça humana. Pedi ao balconista que a pudesse ver de perto. Ele disse que não, que naquele estabelecimento todas as garrafas não podiam sair dali a não ser para encher um copo e logo ser devolvida. Pedi uma dose, pois não, de nada custaria tentar dialogar com um pouco de seu líquido, já que a garrava mantinha um bom diálogo. O copo veio e em seu conteúdo aquele líquido azul veio também conversando e explicando coisas de outras eras. Extasiado, pedi outro copo, e assim o papo fluía de forma agradável. Conversamos sobre a morte dos Astecas pela ganância de Pizarro, sobre a construção das pirâmides do Egito, sobre Stonehange, os Moais, a morte de Antonio Conselheiro, a queda do Muro de Berlim e até sobre os assassinatos de Getúlio Vargas, João Goulart, Juscelino e Tancredo Never. Altos papos sobre a filosofia de Martin Heidegeer e Bertand Russell, sobre Raul Seixas, os Illuminatis, a Ku Klux Kan, os teóricos da conspiração, Frank Sinatra e Aliester Crowley, até que levei um soco na cabeça e acordei babando na imunda mesa daquele bar chamado "O Último Gole". Era o garçom dizendo que já estavam fechando.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 31/05/2021
Reeditado em 31/05/2021
Código do texto: T7268523
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.