Perdido

Incontáveis estações passam na minha frente sempre que fecho os olhos. Mesmo assim tenho nas minhas tripas uma sensação inelutável de tempo estagnado. Olho para as paredes mofadas pela umidade das chuvas que não param de cair e invejo os dias de sol e de calor que ficaram pra trás. Invejo os anos de calor dentro de mim. Algo muito diferente do desalento que sinto agora. Enfim. Já se foi o tempo em que eu gritava a Deus em minhas orações, pedindo por dias ensolarados. Passei a me contentar com a chuva, com o céu fechado e com a ferrugem no meu peito. Ferrugem que consome o aço da minha juventude, e todo o entusiasmo que eu tinha.

Talvez eu seja raso demais até para a poeira se acumular. Tanto que sinto vontade de me levantar e mudar todos os móveis de lugar. Mudaria de casa, de cidade, de país se pudesse. Mas me contento em mudar de roupa, de marca de cerveja, de bar...

Não me lembro da última vez que me senti satisfeito o suficiente pra querer ficar no mesmo lugar por muito tempo. Faz tanto tempo que quase soa como algo acontecido em outra encarnação.

Ou em uma vida que talvez tivesse sido apenas um sonho.

Cansado de estar parado, abro meus olhos e volto a encarar as paredes. Olho pela brecha da janela e percebo que a chuva havia parado.

Tudo calmo do lado de fora...

Talvez fosse uma boa hora pra tentar colocar algumas coisas no lugar na minha vida.

...

- Ninguém nunca deu muita importância se eu me encaixava ou não. Ou se eu estava me sentindo bem, ou se era feliz de verdade. Em geral, as pessoas tratam a felicidade quase como uma obrigação pra quem é jovem. Mas comigo raramente foi assim. – Stefanie me falou, depois de tomar um gole de vinho.

Ela cruzou as pernas, puxou um cigarro do bolso, cobriu com as mãos pra fugir da maresia e acendeu.

- Felicidade se tornou um conceito bem abstrato pra mim nos últimos anos. Então acho que sei como você se sente. – Falei, enterrando os meus pés na areia da praia.

- No fim das contas, tanto faz. Não faço mais questão que ninguém me compreenda.

- Deixar de criar expectativas com outras pessoas é um grande passo pra conseguir ter paz.

- Mas é difícil, né? É difícil pra cacete. Às vezes conheço alguém, e mesmo que só superficialmente me vem uma vontade de acreditar em tudo o que ela está dizendo. Às vezes vem uma vontade de me jogar na vida dela... de me permitir sentir. Mas eu sei onde tudo termina, e por isso eu corto logo pela raiz... nunca amanheço nas camas em que me deito.

Olhei pra Stefanie e não consegui tirar os olhos dela. Acompanhando cada palavra que ela dizia... Parecia que ela estava tirando aquilo tudo de dentro da minha cabeça. A sensação era de extrema familiaridade... e talvez por isso até um pouco assustadora.

- O que foi? – Ela perguntou.

- Nada... só acho que você me resumiu.

- Com tão pouco?

- Resumiu como tenho me sentindo nos últimos tempos.

- Acho que não somos só nós dois... muita gente tem vivido desse jeito.

- Estamos todos perdidos, acho. – Falei finalmente afastando o olhar dela.

- Sim, mas talvez isso seja bom... Enfim... um dia gente se encontra.

Começou a chover forte nesse momento e nos levantamos pra fugir da água. Corremos até a beirada de um quiosque vazio e nos apertamos no pequeno espaço que estava relativamente protegido da chuva.

Stefanie me abraçou quando uma rajada de vento mais forte bateu contra nós dois e depois olhou nos meus olhos, com um sorriso no rosto.

- Péssima hora pra você inventar de lavar o seu travesseiro, hein?

- Como? – Perguntei meio atordoado...

Então acordei.

Pingos de chuva caiam sobre o meu rosto vindos da janela. Olho pra fora e percebo que estava chovendo novamente.

Me levanto, e tiro as roupas que tinha acabado de estender... entre elas estava meu travesseiro encharcado.

Tiro tudo e jogo novamente dentro da máquina de lavar.

Me jogo na cama e me pergunto se um dia eu realmente iria encontrar os pedaços de mim,

que eu havia perdido.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 06/06/2021
Código do texto: T7272882
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