Farta vida

“Como assim doutô? Eu herdei esse tanto de dinheiro? De quem? Por quê para mim?”

Essas foram as indagações de Romualdo naquela tarde no centro de Curitiba, em um suntuoso escritório de advocacia. Romualdo chegara lá, depois de viajar pela primeira vez em um avião, sem saber o porquê. Foi porque fora intimado. Do contrário viraria as costas alegando ter certeza de que o chamado teria chegado por engano.

O doutor era Felício de Assis Brasil, uma das maiores autoridades do Direito de Família do país. Foi contratado pela família de Antônio Reis Fontana, um milionário amazonense, proprietário de diversas usinas nacionais e internacionais, que havia morrido há um ano e deixado uma fortuna para os seus dois filhos.

Antônio era casado com Marieta e tinham uma filha de nome Clarice. Quando da abertura do testamento, as duas ficaram surpresas com a notícia de um segundo filho. Mas tudo estava explicado no documento, para que não houvesse qualquer dúvida. Romualdo era fruto do relacionamento de Antônio com Janira, a governanta da casa por longos anos. Romualdo e Clarice nasceram no mesmo ano. Ele 9 meses mais velho.

A família, já não mais enlutada, fez cumprir o testamento, mesmo a contragosto, e o doutor Felício ficou responsável pelo paradeiro do herdeiro. Não foi difícil encontrá-lo, uma vez que Janira, já falecida, tinha família grande que ainda vivia pelas bandas de Manaus.

Romualdo, conhecido criador de gado no interior de Chapecó, em Santa Catarina, com muito suor e trabalho conseguiu um bom resultado. Tinha uma pequena fazenda onde criava seus bois e nela se aninhava como se o mundo não coubesse fora dela. Era feliz com sua Maria. Não tiveram filhos, mas ajudaram no cuidado de dois sobrinhos como se fossem seus. Naquela ocasião os dois já estavam formados e tocando as suas vidas.

Nada mais poderia querer afora o cuidado e o comércio que fazia com os animais. Muitas vezes era contratado por criadores para reconhecer o gado bom para transações. Na sua simplicidade era respeitado, na sua vida pessoal amado, na sua lida abençoado. Não queria nada mais, e nem pensava em parar, porque o campo era bom demais pra ele.

O seu único exagero era quando pegava Maria de vez em quando pela cintura e dizia: “Bamo pro Beto Carrero muié”. E lá se iam na sua Caminhonete Frontier. Ficavam no máximo dois dias, pois os bichos poderiam sentir a sua falta.

Mas naquela tarde em Curitiba tudo mudou. Romualdo não sabia o que dizer, o que fazer. Foi quando olhou fixamente para o Dr. Felício e sentenciou, como se estivesse negociando uma boiada: “a gente pode vortá ao que era antes doutô? eu quero é ir simbora!”

Com incredulidade o Dr. Felício levantou-se da cadeira, disposta na cabeceira da imensa sala de reuniões e, batendo as mãos na mesma argumentou: “Como assim? Está faltando mais alguma explicação para você entender que herdou uma fortuna de seu pai?”

A resposta de Romualdo aquietou a situação: “Nunca tive pai doutô. Se eu tivesse tido, eu seria home muito mais feliz do que sou hoje com essa dinherama toda!”

Escrito na Oficina "Provocações" - Editora Pragmatha - Módulo 04

Rosalva
Enviado por Rosalva em 09/06/2021
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