O candeeiro e a batalha nos céus
Sentado na escrivaninha no meu quarto , a luz do candeeiro mal iluminando metade da escrivaninha , acendo um cigarro , bebo mais um gole de cerveja .
Pensativo observo o fumo do cigarro bailar quase tomando formas encantadas .
Imaginação fértil realmente . Pego no lápis numa tentativa de escrever algo .
A escuridão dentro do quarto parece crescer quase abraçando tudo .
O silêncio toma conta da noite . Abro a janela , olho o céu , escuro como bréu . Ao longe dá para ver as nuvens escuras se aproximando .
Repentinamente , ouve-se o trovão ecoar ainda de mansinho , deixando antever o que vem a seguir .
Mais uma noite tempestuosa , prova viva que o inverno é dono e senhor do seu tempo .
Uma ventania entra no quarto derrubando o quadro que por descuido estava mesmo na beira da cómoda , os rascunhos dos textos espalham-se pelo quarto .
Resmungo e amaldiçôo os Deuses em umas três línguas conhecidas e uma quarta imperceptível e desconhecida ao melhor tradutor deste mundo .
Apresso-me a recolher os textos caídos , pego no quadro e volto a pô-lo no seu devido lugar logo depois de fechar a janela . Bem a tempo já que dá para ver o pé de água forte caindo lá fora e ouvir o vento assobiar cada vez mais forte . Como que respondendo aos meus insultos o ar lá fora ilumina-se segundos após ouvir o trovão .
Quase parece Zeus furioso fustigando a noite anteriormente calma ou talvez esteja apenas enviando-me um aviso e pedindo respeito . Quem sabe !? Quase consigo ver a sua face no interior das nuvens enquanto lança seus raios , furioso castigando os pobres mortais desta terra .
Mais um raio cai no terreno mesmo aqui ao lado e o candeeiro já velhinho como que estremecendo de medo , apaga-se .
Raios e trovões , grito eu em voz alta mas inaudível em meio ao barulho lá fora .
Maldito Zeus , que uma caganeira tome conta do teu cu divino e teu cabelo caia por séculos seguidos .
Dirijo-me ao quadro elétrico , volto a liga-lo e ... nada ... raios parta esta porcaria toda balbucio eu .
Olho de novo lá fora e vejo que não há luz em lado nenhum , os raios devem ter afetado a caixa geral que alimenta toda esta zona . Não há nada a fazer por agora senão esperar pela manhã para que venham arranjar isto . Olho o cigarro no cinzeiro e está praticamente acabado . Maldição .
Puxo a cadeira para perto da janela , sento-me e acendo outro cigarro , bebo mais um gole da cerveja já quente .
A chuva lá fora cai forte , alagando e escorrendo rua abaixo enquanto a sinfonia de música divina continua com seus holofotes iluminando a noite por meros segundos e voltando a repetir a mesma rotina vez após vez .
Realmente um palco digno dos Deuses , só falta aparecer o Neptuno em cima dum cavalo marinho , digo eu soltando uma gargalhada zombeteira disfarçando assim a fúria que me assola no momento .
Maldito , malditos sejam , balbucio de novo enquanto observo o espetáculo .
Pego de novo no lápis e papel e preparo-me para escrever algo na tentativa de abster-me de tudo e entrar num mundo só meu . Inspirando-me na peça que rola em plenos céus e aproveitando a luz dos clarões momentâneos , aos poucos vou escrevendo algo .
Curiosamente , após preencher cinco folhas dum lado e do outro , dou comigo a terminar a história de uma guerra divina nos céus em que os principais protagonistas são os Deuses gregos batalhando com outro panteão de Deuses de uma realidade alternativa , pela salvação do mundo e da própria existência deste universo que culmina na vitória de Zeus e seus homólogos companheiros .
Fico relendo a história enquanto tiro mais uma passa no cigarro e bebo o último gole de cerveja .
Realmente entusiasmei-me com esta história que criei , murmuro eu enquanto termino a revisão do texto .
Noto um brilho familiar no céu . Era a lua , aparecendo aos poucos , tímida enquanto as últimas nuvens no céu se afastavam .
A tempestade parou tão repentinamente como havia começado e a lua toma conta da noite abraçando a escuridão com seu brilho . A noite fica calma e o céu silencioso em toda sua majestosidade .
Coincidentemente o velhinho candeeiro volta a dar sinal de vida , então olho o céu e desta vez , pensativo e humilde , apenas sorrio e num tom muito baixinho congratulo Zeus por sua vitória e agradeço a chance de poder ver mais um amanhecer .
Contos fantásticos .