Toucinho

O cheiro de pururuca me trouxe lembranças da infância, lembro da minha mãe preparando carne de porco, tinha basicamente esse cheiro.

Barulhos do outro lado do muro, vozes, som alto e são duas e meia da manhã, há uma luz no poste bem acima das vozes e do som, já ouvi uns boatos de que tem ocorrido assaltos aqui na rua, será que são eles? Penso nisso sempre que cogito a possibilidade de ir até lá, pedir para abaixar o volume de tudo, ou até mesmo pra saírem dali, a grosso modo eles não me conhecem, eles não têm nenhum motivo pra me dar ouvidos, resolvo deixar pra lá…

Na manhã seguinte, ao sair para trabalhar, eu olho para onde eles estavam e vejo toda a sujeira deixada, o cheiro de mijo, o vômito começando a secar e toda a bebida que foi derramada junto ao vidro quebrado, não dava tempo d’eu limpar.

Chegando em casa, próximo ao anoitecer, a rua já começa a ficar mais vazia, as luzes começam a acender, a sujeira se encontra no mesmo lugar em que estava e novamente, não vou ter tempo para limpar.

Abro a geladeira e encontro um pouco de toucinho que tinha comprado há um tempo, pego uma panela funda e coloco uma boa quantidade de óleo e quando está bem quente, coloquei o toucinho e deixei fritando; a noite já tinha caído e eu já estava ouvindo o som alto e as vozes falando alto.

Eu termino de fritar e me sirvo, fico imaginando que terei mais uma noite difícil para dormir. Deixo tudo como está e vou tentar dormir e a medida que as horas passam, o barulho aumenta e os pensamentos surgem… Aos poucos, os pensamentos correm rapidamente como carros esportivos numa estrada enevoada, sombras estranhas se confundem com conclusões cobertas pela névoa e então, eu me levanto…

Vou até a cozinha, um tanto sonolento, mas o fato de estar num como mais próximo ao portão me faz ouvir o barulho parecendo mais alto, coloco água numa panela e coloco para ferver com a intenção de tomar um chá e relaxar, espero que ferva até que estranho a demora do borbulhar, quando chego perto do fogão percebo que o sono me fez acender a boca onde estava o óleo que já estava bem quente, respiro fundo e uma ideia me ocorre… olho para a porta.

Olho novamente para a panela que borbulha, vou até a porta e abro-a sem fazer barulho, mas logo depois concluo que pouco importaria o barulho que eu fizesse, o som alto abafaria mesmo; volto para o fogão e desligo a boca em que está a panela e ligo a boca em que está a água para fazer o chá… Pego a panela com cuidado e vou em direção a porta, chego até o muro que tem pouco mais de dois metros e num movimento atiro todo o olho quente por cima do muro na direção das vozes, escuto os gritos e a correria. Sinto um leve cheiro de toucinho, a lembrança da infância acalma os meus pensamentos por um instante…

Volto para dentro de casa e tranco a porta, aproveito a água no fogo e troco o chá por um café, já não teria tantas dificuldades para dormir… Termino o café e me sirvo de uma xícara sentado a mesa e só passa um único pensamento em minha cabeça… Preciso limpar a calçada.

Henrique Sanvas
Enviado por Henrique Sanvas em 28/06/2021
Código do texto: T7288714
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.