Alguns dias frios
Saiu do chuveiro cheirando a sabonete de motel. A moça dormia profundamente na cama. Estava pelada agarrada ao travesseiro. Estava com frio. Admirou a bunda da moça e logo depois cobriu- a. Abotoou o terno azul e vestiu o sobretudo. Deixou o dinheiro sobrr a mesinha ao lado da cama e acariciou os cabelos da moça. Pegou o estojo com seu saxofone e saiu na noite fria.
Caía uma garoa fina e a cidade estava com uma pequena neblina. Talvez o bar fique fazio, pensou. Fechou o sobretudo e caminhou até o ponto de ônibus. Havia um velho sentado num banco ao lado de uma mulher. O ônibus chegou e embarcaram. A chuva começou a cair forte. Sorte que o ônibus parava em frente ao bar.
Se tivesse 6 pessoas era muito. Algumas prostitutas, sozinhas ou com seus clientes, alguns bêbados em suas mesas e com seus problemas de companhia. O palco estava com microfone e o piano. Ele foi ao bar pediu uma dose de uísque e virou em só gole. Entregou o sobretudo e pegou outra dose e foi para o palco. Testou o microfone, colocou o estojo aberto no chão, pegou um charuto do bolso interno e acendeu com seu isqueiro. Fumou aproveitando seu charuto e olhou para seu público. Não era só lá fora que chovia. Era como se ele pudesse enxergar a tempestade no coração de cada um. Deixou o charuto no cinzeiro sobre o pianol, colocou o saxofone e suspirou.
Quando o som começou a ecoar pelo bar as pessoas em volta pararam, olharam para o palco. A música saiam solitária e triste do palco no fundo do som do sax podia ouvir a chuva cair na rua. Aquela música não saía apenas do saxofone mas também do fundo da alma pealsada de todos ali.
No fim, às 2:40 da manhã, no fim de sua apresentação não houve aplausos. Apenas alívio, um peso retirado do peito deles. Era o que ele podia fazer por todos.
Recebeu o seu dinheiro e mais uma dose de uisque.
Do lado de fora a chuva havia parado. Se lembrou da prostituta que havia deixado naquele quarto de motel. Com o estojo nas mãos e o sobretudo para lhe proteger da noite fria ele seguiu pela calçada escura daquele canto sombrio e perigoso da cidade. Acendeu o resto do seu charuto, sem medo. Naquele canto sujo e depravado da cidade ele se sentia seguro.
Wesley R. Curumim