UM DEMÔNIO NA FAZENDA


Um dia desses as netas do meu irmão estavam no quarto, conversando
sobre a maldade humana. Uma dizia que o diabo fez seu namorado a trair, outra disse que o diabo dominou a cidade e por isso ela é cheia de homens perversos e outra ainda dizia que o diabo induziu um homem a assalta-la, resumidamente, todas jogavam a maldade humana em cima dos ombros de Satanás.


Não aguentei ficar apenas ouvindo aquela conversa. Nem era a primeira vez que via alguém culpar o coisa ruim pelas maldades do homem, as idosas da igrejinha que eu ia faziam mesma coisa. Abri a porta, as três garotas levaram um susto e brigaram comigo, e na maior calmaria de um velho eu disse:
- Meninas, vocês acham mesmo que o diabo é culpado por toda a maldade humana?

Amanda a mais velha respondeu:
- Claro Seu Gouveia, ele é o próprio mau.

 

Sentei na cadeira, ascendi meu charuto e respondi:
- Já param para pensar que o homem é livre? Ele que escolhe fazer o bem ou o mau? Deus lhe dá chances para ser justo, porém ele escolhe fazer o mau, se rende as investidas do Diabo.

 

As três me olharam fixamente, e respondi esse gesto:
-Permitam-me contar uma história? Aconteceu quando eu ainda era um adolescente no ápice da puberdade, o avô de vocês ainda estava de namorico com sua avó!

 

O trio de moças sentou educadamente, estavam com muita vontade de ouvir mais uma história do Velho Gouveia.


Há muito tempo atrás, na Fazenda Canaã, uma propriedade vizinha da
nossa Fazenda Brígida, viviam duas famílias, uma tinha rivalidades com a outra. Seu Braga era avicultor e dono de um pequeno gado e Seu Luís era dono de uma pequena horta.

 

 Em uma sombria e fria noite, um demônio libertou o cachorro do Seu Luís, o animal era robusto e valente, o protetor da propriedade. Ao amanhecer, Seu Braga notou que todas as suas galinhas estavam mortas. Com muita raiva, preparou sua escopeta, esperou o Seu Luís sair para fazer negócios com Seu Raul, dono da fazenda Brígida na época e também meu pai.


Ester uma das moças perguntou:
- Mas esse homem tinha filhos?
Eu respondi:
- Sim, eram dois, e no horário da tarde eles estudavam, então foi o momento certo para o Seu Braga matar o cachorro.

 

Ele atirou contra o animal sem dó e sem piedade, na mesma frialdade de um assassino ou de um genocida. Ao entardecer, os garotos foram brincar com o cachorro, mas ele estava morto, deitado sob uma poça de sangue. Seu Luís se derramou em lágrimas em ver seu animal de estimação morto a tiros.


Na mesma noite, preparou um machado e um facão. Essas armas foram essências para matar o pequeno gado do Seu Braga. O mesmo olhar frio, sem vida e sombrio observava os cadáveres e o sangue derramado pelo chão.

           
As meninas ficaram perplexas, e querendo mais ainda saber da história, mas eu disse:
- Vou parar por aqui, preciso tomar meus medicamentos.
Amanda respondeu:
- Deixa que eu pego Seu Gouveia, eu e minhas irmãs queremos saber o final e sem querer ofender, o senhor é muito devagar e até pegar o remédio já ficou de noite, deixa que eu pego!

 

Depois de tomar os medicamentos, retomei a história:
Bom, no dia seguinte, Seu Braga ficou em choque e sem reação ao ver seu gado aniquilado, vítimas de uma carnificina. O homem foi até a cidade e comprou toxinas fortes para destruir a horta de Seu Luís, e assim fez na mesma noite. A hortinha ficou devastada, podre e murcha.

           
A crise veio sobre as duas famílias, a pobreza atacou-os devido à falta
de suas produções. Logo começaram a roubar bens um do outro. Ambos tiveram que vender algumas terras.

           
Em uma tarde escaldante, os dois cruzaram o mesmo caminho e ficaram se encarando. Seu Luís não aguentava mais a situação que sua família se encontrava, então perdoou Seu Braga, este demorou se desculpar, mas no final apertaram as mãos. Daquele dia em diante, as duas famílias se uniram para reerguer a fazenda Canaã, juntaram seus bens e habilidades para ver a propriedade próspera novamente.


Terminando a história, perguntei as moças:
- E agora, quem foi o maior culpado de todos os horrores?


Amanda cruzou os braços e respondeu:
- Eu ainda acho que foi o demônio, se ele não tivesse libertado o cachorro nada teria acontecido.


Sabrina a irmã do meio respondeu:
- Foi o Seu Braga Tio Gouveia, ele foi o primeiro a se vingar, foi o primeiro a derramar sangue por consciência.


Ester respondeu:
- O culpado foi o Seu Luís que matou todo o gado do Seu Braga, sem dó e sem piedade, causando a falência da família.

 

Eu levantei da cadeira e respondi:
- Os dois senhores foram os culpados. O demônio só fez a mísera ação de libertar o cachorro, logo, o animal atacou as galinhas. Não era mais fácil os dois terem entrado em um acordo? Em vez disso optaram por destruir um ao outro, eles escolheram fazer o mal em vez de fazer o bem, e assim provo a vocês que a maldade está dentro do homem.
- Só depois de um tempo que fizeram as pazes, pois viram que seria melhor unirem forças do que enfrentarem uma crise separados.
- E isso só confirma ainda mais a frase de Nicolau Maquiavel:


“O Homem é mau por natureza, a menos que precise ser bom”.
 


Organização/Produção: 11/05/2021 – 13/05/2021
Escrita: 14/05/2021
Publicação: 02/08/2021

Chris Aponuceno
Enviado por Chris Aponuceno em 02/08/2021
Reeditado em 02/09/2022
Código do texto: T7312450
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