Maria Consolação, uma menina de nove anos, chamada de santinha por sua mãe devota de N. Sra.
Com a dor da perda de dois entes muito queridos.
Voltando das férias, com seu avô paterno e sua mãe, num trágico acidente somente ela sobreviveu.
O período de luto transcorreu com choro e dor.
Aos poucos foi se adaptando a nova rotina.
Escola, tarefas domésticas e ser paciente com seu pai.
Que aos poucos encontrava-se abandonado da vontade de viver.
Relapso no trabalho, alcoolizado diariamente.
Numa infinita bondade, ela o colocava na cama, de manhã dava-lhe um lanche e com um beijo ia para a escola.
Quando voltava via-o na sarjeta da sala de estar, jogado junto a parede.
Então preparava o almoço, dava um banho em seu pai, sentavam-se à mesa.
Nesse momento ele a olhava sem dizer nada.
Em seus olhos havia uma tristeza incontida, sem raiva, sem mágoas, vazia.
Em dez anos somente um dia de cada mês saiam juntos para receberem a pensão que o avô lhe tinha deixado.
Na formatura a solidão valsava em seu quarto.
A procura de uma grande empresa de advocacia ela desenvolveu sua habilidade em Direito Penal.
Certo dia ao fazer uma faxina em casa com a intenção de arrumar um local de trabalho, ela encontrou várias telas inacabadas.
Retirando-as com carinho e pendurou na parede da sala.
Após um ano, percebeu que algumas telas foram magnificamente terminadas.
E a procura de seu pai, o encontrou todo sujo de tinta e com um novo olhar no rosto triste.
Abraçaram-se e choraram sem tristeza, apenas um choro de conforto.
Não sabia como falar que fora convidada para uma convenção em Genebra.
 
Passado um tempo; resolveu contar-lhe sobre os projetos que vinha defendendo ao longo do ano.
Em silencio escutou-a e depois desejou-lhe sorte.
Falavam-se quase todos os dias ao telefone, incansavelmente ela descrevia as maravilhas de Genebra: Catedral de São Pedro, Palácio das Nações, Muro dos Reformadores...
Quando o convidava para ir conhecer sempre tinha a resposta que daqui um tempo irei.
Em três anos ela veio visita-lo e apresentar teu noivo.
Ficou encantada ao vê-lo sorrir e amigavelmente recebendo Lohan como filho.
Foram os melhores dias de sua vida ao lado de seus grandes amores, resolveu que era o momento de união.
E organizou uma pequena celebração o casamento no civil, tendo seu querido pai como padrinho.
Tendo contratado uma governanta para que organizasse o cotidiano do pai, ela partiu de novo.
Chegavam as notícias de sua filha nos noticiários de jornais, revistas: Madame Maria Bazelaire fundadora do Colégio São Tomás de Aquino, uma revolução no ensino fundamental.
Com a metodologia pautada na união entre a razão e a fé.
O colégio priorizava as comunidades mais pobres que uma vez ao mês os pais e alunos tinham aulas o dia todo.
No intervalo para almoço viam-se crianças dialogando com os pais sobre filosofia, ciências...
Quando Maria voltou para ver o pai enfermo, trouxe consigo os três filhos.
Foi uma alegria o encontro do avô com seus netos.
Maria não aceitou nenhum convite para eventos ou entrevistas, queria apenas ficar ao lado de seu pai.
Passaram os dias, seu pai teve uma melhora significativa.
Relembraram os momentos difíceis sentindo a graça que lhes foi concedida na superação dos fatos.
Certo dia a governanta mostrou todos os recortes que a imprensa publicou sobre ela e que seu pai cuidadosamente guardava em papéis de seda.
A noite Maria chorou agradecendo a Deus pelo querido pai.
Infelizmente foi uma melhora para que os dois pudessem reviver o grande amor que os unira.
Após o funeral, Maria decidiu que ficaria para organizar toda a papelada para o inventário da família.
Aproveitando decidiu mostrar aos filhos a cidade maravilhosa onde nascera. Foram ao Museu de Arte Contemporânea, Museu do Amanhã, Catedral de São Sebastião, Escadaria Selarón...
Mas para os meninos as praias eram como o céu aberto para os braços do Cristo Redentor.
Certo dia por insistência da governanta Maria foi a uma Galeria de Artes.
Deslumbrada com a riqueza das obras Maria viu uma placa dizendo que naquele compartimento as obras não estavam à venda.
Curiosa adentrou ao local e boquiaberta contemplou ao fundo da parede um quadro que seus olhos se encheram de lágrimas.
Essa coleção intitulava-se Holocausto da Alma, assinado por santinha.
Ali se retratava toda sua infância, um vestido branco plissado, sua boneca encostada na cabeceira da cama, sua mãe amamentando, e seu avô segurando sua mão retratados com uma leveza firme e angelical. 
 Seu antigo uniforme cinza pendurado em um cabide suspenso por nuvens claras com uma intensidade de passageiras do destino.
Uma mão bem pequena surgia de uma tempestade envolta em fogo.
Um autorretrato do homem sentado no chão e acima dele uma chama que assemelhava ao espírito dele, dividindo metade do quadro um paraíso e outra o inferno.
Uma coleção infinita de vida e dor, de lágrimas e fé.
Quando por fim se deu conta o Curador chegou e disse-lhe que era hora de fechar a galeria.
 Conversando foram até uma sala onde estavam catalogadas todas a telas, e curiosamente ninguém conhecia a pintora, essas obras chegaram por intermédio de malotes e com um contrato para que ele assinasse o acordo de não negociar.
Estimada em milhões de dólares essa obra era cobiçada pelo mundo inteiro.
Maria saiu dali sem saber o que faria, pela primeira vez sentiu-se incapaz de uma atitude.
Pouco antes de sua viagem, reuniu-se com os filhos e a governanta para contar sua decisão, vamos levar toda a coleção para o Colégio e manteremos o segredo da assinatura.
Ao visitar o advogado da família, ele mostrou uma clausula no testamento que exigia a divulgação da assinatura.
O advogado deu-lhe uma fita de vídeo e pediu que depois que ela visse, retornasse ao escritório.
Chegando em casa em chamou todos e iniciou a fita:
Querida filha,
Posso sentir a angústia que às vezes tomava conta de nossos dias.
Acredite, nada poderia ser diferente.
Não sinto culpa ou arrependimento.
Em meus silêncios e logo cedo tiveste o gentil pudor de pouco me interrogar.  Só o amor, minha filha, nos torna melhores.
 Por isso eu te agradeço: pelo amor que me deste e pelo amor que despertaste em mim.
 E se às vezes eu não soube estender a precária ponte do meu coração ao teu, e você a fizeste bem
A menina determinada e solitária que, à noite, exausta, chorava a saudade da mãe.
Filha, você é o fragmento de paz, quem me ensinou que, com paciência e amor, tudo é realizado. 
Você é e sempre será a joia mais preciosa que ganhei.
Podemos não ter feito tudo o que queríamos ter feito. 
Tenho um orgulho da mulher e mãe que se se tornou.
Chegou o momento para que todos saibam quem és!
Nestas telas meu mundo é você.
Estarei aguardando-a na exposição das telas e a mudança de nomes que permiti ao Curador que viabilize.
O grande dia, na galeria pessoas que ela nunca tinha visto, chegavam parabenizando-a.
Seus filhos sentiam-se orgulhosos do avô que pouco conversava, mas que falava com a alma entre tintas e conflitos.
E certo momento da cerimônia o Curador a chamou para fazer um pequeno discurso.
Maria foi anunciada como Madame Bazelaire.
Os presentes ficaram boquiabertos quanto a revelação de uma personalidade tão culta e anonimamente no Estado.
Maria apossou do microfone e começou o discurso:
Com orgulho que pronuncio sobre a obra e o homem que meu fora.
Após o acidente como meu avô paterno e minha mãe em sua tristeza profunda ele disse-me “Ninguém sabe mais do que nós como isso dói e certamente não entenderão como é importante derrubar nossas lágrimas”.
“Já que o mal não tem essência, pois é a privação do bem no indivíduo e, por essa razão o mal, em si mesmo, não pode mover o apetite racional da vontade”.
Fui agraciada por Deus, quando na infância eu apenas via um pai sofrendo não como bêbedo, sentia a dilaceração de um coração bom e generoso.
Estas telas hoje farão justiça a um grande artista: Tomás Pedro.
Meu querido pai que com certeza soube retratar a resiliência em circunstancias adversas em sua existência.
Obrigada a todos.
                           
Fim
 
 
 
 
 
 
 
elaenesuzete
Enviado por elaenesuzete em 28/08/2021
Código do texto: T7330146
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