A Mala

- Acabou-se tudo, meu amor. Acabou-se tudo. – Raquel falou, se olhando no espelho, com um buquê de flores despedaçado entre as mãos.

Eu observei a cena me perguntando como ela conseguia ir tão longe naquela coisa de auto martírio. Eu sabia que nosso lance era um desperdício. Um desperdício do meu tempo. Mas isso já beirava a loucura.

Ela sequer havia tirado o vestido, ou limpado a maquiagem do rosto. Tinha passado a noite com os olhos presos naquele buquê e esvaziando garrafas de vinho.

Eu havia me mantido calado até aquele momento, mas diante da cena, resolvi que tinha chegado no meu limite.

Me levantei da cama e juntei algumas roupas dentro de uma mochila.

Raquel me olhou e perguntou com uma voz rouca.

- Onde você vai?

- Vou embora.

- Até você vai me deixar?

- Acho que não tem espaço pra mim aqui.

- Eu sabia que você ia me abandonar.

- Sou eu que estou te abandonando mesmo?

- Você vai embora...

- Claro! Claro que eu vou. Não tenho fígado pra aguentar essa loucura. Que tipo de pessoa vai no casamento do ex-marido e faz questão de pegar o buquê? E depois fica em casa chorando... se lamentando por isso? Estou cansado, percebe?

Raquel largou o buquê de lado e abriu um sorriso amarelo.

- Você acha que eu passei do ponto?

- Eu não estaria indo embora se não tivesse.

Raquel se virou novamente para o espelho e começou a retirar a maquiagem com um pano.

Seguiu calada por um bom tempo, como se eu não estivesse no quarto. Peguei a mochila e saí do apartamento.

O elevador estava quebrado e desci os oito andares do prédio dela sem pressa.

Quando cheguei ao térreo senti meu celular vibrando. Olhei e vi uma mensagem dela.

Só dizia... “Filho da puta!”.

Eu não podia esperar nada diferente.

Fui andando até o pátio e ouvi Raquel gritando da varanda.

- Você é um idiota, sabia? Um idiota!

Não pude deixar de sorrir, com os olhos cravados no chão. Raquel realmente tinha talento para atestar o óbvio.

Segui andando até o portão sem olhar pra trás.

Foi então que ouvi um baque seco de algo caindo no chão.

Tive medo que ela tivesse se jogado de lá de cima. Afinal, já tinha ameaçado várias vezes no meio de suas crises.

Olhei para trás, já com lágrimas escorrendo dos meus olhos, mas dei de cara apenas com uma mala espatifada, com minhas roupas e livros espalhados ao redor.

Virei meu olhar para a varanda e Raquel estava lá.

Jogou o vestido que estava usando e o buquê também...

Depois desapareceu.

Arrastei a mala comigo até o lado de fora me perguntando se enfim, tudo ficaria bem para ela.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 13/09/2021
Reeditado em 13/09/2021
Código do texto: T7341199
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