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Cheguei tarde. Já não haviam formas simples de ver as formas de um mundo que se usava em modo descartável, apenas olhava para o homem estranho que fazia movimentos ainda mais estranhos, que se pareciam com a noite polar ainda no seu início. À sua frente estava o meu carro e fiquei alucinado, petrificado sem conseguir parar de cantar a glória do livre arbitrio. Iria lá ajustar contas? Afinal era o meu carro, na minha cidade de obrigação, onde a solidão me consumia, onde os vãos não tinham escadas para ancorar os pés. Era puro contra-senso, como as palavras obliteradas em conselho de ministros de máscara rasgada.

Estava um homem estranho atrás do meu carro, na.minha cidade de vaidade e feitios ocos. Quando ele fixou o seu olhar, vi toda a minha vida a morrer vezes sem conta, renascendo de seguida num sufoco de pecados, que reconheci na estranheza de todas as parecenças, que nele encontrei.

Resolvi ir de encontro ao centro da cidade onde as pessoas vestiam a alma de adornos ocos enquanto se consumiam em encontrar um homem estranho por detrás de cada carro. Passei pelos amores pérfidos das tasquinhas pelo menos acreditando que a angústia não seria eterna, algo se podia atenuar por entre cada fantasia invasiva que fazia esquecer todos os complexos de perseguição que iam aumentando conforme a pandemia alastrava ao cérebro de cada um.

Resolvi morrer, para renascer num abraço que faria desaparecer o homem estranho que gritava milhares de palavras ajustando toda a gente num assomo de loucura que se tornaria normalizada, possivelmente legislada e com benefícios fiscais.

Por fim, na cidade anoitecida, cheguei ao homem estranho e atrás do carro estavam todos os sonhos e pesadelos da humanidade. Sorrimos e fomos tomar  um copo. Era o tempo da contemplação!

 
Manuel Marques
Enviado por Manuel Marques em 28/09/2021
Código do texto: T7352374
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