Quando o silêncio bate à porta

O chá captava sua mente com suaves ondas, quase transparentes, que esfumaçavam da grande xícara. Aquele aroma há anos viciava. Mas era nessa hora que uma torrente de emoções aflorava e seus dedos corriam desesperadamente pelo teclado. Bebeu o primeiro gole! Esperou o calor invadir sua garganta e inundar o peito. O cursor piscava inerte, tenso, carente, excitado! Mais um gole...

A campainha toca! Uma quantidade enorme de pontos de interrogação se espalha pelo ambiente, a xícara cai no seu colo. Um liquido quente invade as entranhas e o cérebro imediatamente prepara-se para a dor. Os segundos correm em câmera lenta, mais rápido está de pé, a xícara rola pelo chão sem quebrar. Um grito rouco comprime o ambiente e uma onda de propagação faz os vidros das janelas vibrarem. Vibrarem... vibrarem. A campainha volta a tocar!

Não sabe que energia moveu seu corpo em direção à porta. Não lembra a última vez que alguém esperava do outro lado. Respirou fundo, olhou seus dedos lentamente girarem a chave e abrir a porta. Ainda viu aquela mão ser sugada pelo elevador num movimento curto, com desenho quase cenográfico. Inerte repassava aquela cena inúmeras vezes num loop que entorpecia. A dor cessou, a cena virou lembrança. A vida parou. Mão de pele alva, as luzes do elevador, o som das máquinas fazendo o cabo girar pelas polias, a tatuagem no dedo! Seu coração disparou... quantos anos passaram? Quantos anos restam? Quanto tempo esperou que algo desse movimento àquela cena?

Abriu os olhos, sentiu a luz do dia que amanhecia invadir a cama. Sorriu pela enésima vez ao lembrar do privilégio de acordar com aquela configuração energética. Sentiu o gosto salgado das lágrimas. Olhou para o lado e ouviu uma respiração suave avisar que o sono ainda perambulava por lá. A mesma mão cobria um rosto que nunca seria apagado da memória. A tatuagem num dos dedos era o centro do universo que bailava ao seu redor. Chorou baixinho, soluçou, sentiu um grito rouco nascer do seu peito e correr pelo externo, quando apontava na garganta foi sufocado pela onda de propagação nascer de um sorriso que captava seu olhar suavemente.

Acordou novamente em seu colo. Mãos acarinhavam o rosto úmido, coração batendo lentamente, um sol forte já figurava destacadamente no céu azul. A campainha tocou! Eram eles que vinham passar o final de semana. Já ouvíamos a voz das crianças...

Fernando Antunes
Enviado por Fernando Antunes em 19/01/2022
Reeditado em 19/01/2022
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