Sensorial
O frio marcava aquela manhã mas o sol prometia inundar o dia. Meus pés caminhavam descompassados dando sinais do que povoava uma mente totalmente à deriva. A marginal estava vazia, a areia varrida pelo mar oferecia-me um tapete virgem para marcar. Observei as pegadas e figuravam normais, por um momento pensei que os diversos pedaços de mim que tento remontar poderiam também deixar rastros na areia.
A lua quase cheia bordava o mar azul escuro de nuances prateados. Construía uma estrada de iluminação única nos conduzindo para a imensidão. Mas meus pés andavam paralelos à água. Sentia uma presença estranha, mas não via nem ouvia nada. Nem ninguém.
A faixa de areia teve fim numa curva da costa e o mar figurava dono único do espaço. Ajoelhei e respirei fundo. As lágrimas afloraram em catarse da alma. Lavando um rosto confuso e gelado. Foi quando o vi... caminhava devagar olhando o mar. Pés descalços. Meus olhos se fixaram naqueles pés e comecei a sentir nos meus a presença da água, a temperatura, a sensação de contato com o mar. Perdi-os dentro d’água, alguém ia em direção ao mar.
As lágrimas turvavam a visão, mas aquele corpo apresentava-se velho conhecido. Era eu!!! Um Fernando despedia-se de mim e mergulhava no mar. Incrível a sensação de paz e percepção sensorial da água aquecendo meu corpo, sem molhar. Seguiu a estrada iluminada deixando-me órfão de mais um pedaço de mim. Quantos ainda existirão? Quantos ainda terei a oportunidade de despedir-me?
Procuro sentido, entendimento. Procuro remontar minha identidade. Olhar para o futuro mais confiante. Cansado. Exausto emocionalmente... Mas tinha de levantar, deixar o vento frio secar meu rosto e olhar mais uma vez o mar. O brilho da lua. A sensação de ver um corpo deslizar pelas águas. Não chorei mais, subi as escadas. Continuei sentindo uma presença estranha...
As emoções ainda estão à flor da pele, esta tormenta está longe de passar. Alguns Fernandos irão renascer ou ainda assistirei à partida de muitos. Enquanto isso vou deixando meus dedos passearem pelo teclado. Acreditando que estas palavras são encadeadas somente com espírito construtivo! Como sempre foram...