A paz

Caminhar naquela praia deserta acalmava minha alma. Mas hoje meus sentidos estavam alertas, não via nada diferente, mas sentia tudo mais pleno. O vento fresco tensionava minhas costas e o sol de inverno timidamente aquecia o peito. Contrastes...

Maré vazante oferecia-me um tapete de areia compacta para marcar. Por vezes o mar vinha-me oferecer uma língua de água tépida, apagando as pegadas. Deixava para trás o passado e olhava a imensidão daquele areal. Respirava fundo e ouvia a Natureza. Buscas e medos...

Senti um arrepio invadir todo o meu corpo quando o vento portou um perfume suave que estava presente na minha memória de forma tão marcante. Parei. Fechei os olhos e agucei os sentidos. O tempo parece ter apertado o freio, senti o mundo rodar contando os segundos como se fossem minutos. Aquele aroma entranhava pela minha alma e dava-me uma paz tão leve quanto intensa. Esperas...

Senti uma mão enlaçar a minha no instante que o som de gaivotas agitou o tempo e o espaço. Um sorriso tímido emoldurou breves palavras: “Vamos! Temos muito que caminhar...”

E caminhamos! Rimos, dançamos admirando a lua. Curtimos o nascer do sol mergulhando no mar. Lágrimas rolaram num por do sol e na primeira vez que nossos corpos se fundiram. Respiramos o futuro cuidando da fluidez do presente. Apostamos na felicidade e num amor tranquilo. Vivemos...

Encarei o vento e comecei a fazer o caminho de volta. Aquela caminhada estava sendo surreal, memórias desconexas e sensações ímpares. Agradecia à Natureza aqueles momentos. Estranhei ver marcadas na areia, onde o mar ainda não tinha conseguido apagar, pegadas além das minhas. Sorri! A Natureza embriagava-me e duplicava minha visão. Só pode! Corri... sentindo a pulsação acelerar e a respiração buscar energias para alimentar pernas que pareciam levitar. Voei...

Fui bailar com gaivotas, brincando de mergulhar no mar quase sem agitar as águas. Praticar voo rasante pela copa das árvores, sentindo a suavidade do toque das folhas em meu corpo. Planei, curti a viagem. Até que vi aqueles dois caminhantes de mãos dadas percorrendo lentamente a costa. Senti a energia que emanavam e quis medir seus olhares. Fiz um voo circular longo e quando finalmente os contemplei de frente minhas asas pararam de bater. Em poucos segundos choquei-me com ele, ou comigo mesmo.

Limpei os pés da areia. Liguei o carro. A música começou a rolar, tinha que ir fazer meu almoço. O tempo tinha passado e não lembrava de quase nada. Estranho... será isso que chamam de amor? Ou apenas uma paixão arrebatadora pela vida? Não sei! Mas Zizi Possi encantava-me...

“A paz, invadiu o meu coração

De repente me encheu de paz

Como se o vento de um tufão

Arrancasse meus pés do chão

Onde eu já não me enterro mais”

Fernando Antunes
Enviado por Fernando Antunes em 09/03/2022
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