A Viagem

Camila não deu ouvidos ao conselho de sua mãe para ir estudar, pois tinha prova na escola, no dia seguinte. E se pôs a brincar com o seu celular. Flertava pelo face book com Jandira, conversava sobre os meninos e as meninas da sala. E tão entretida estava, que não ouvira os trovões.

Tão avassaladores se tornaram, que um raio transpassou a janela e atingiu o celular, o choque tridimensional a jogou num tempo de fazendas e escravos. Caiu justamente na fazenda couro de cobra, do senhor Alberto, homem cruel, que tratava o povo daquele local sob as leis do chicote.

Na casa dos servos ela se viu. Percebeu suas roupas, vestido branco de mangas longas, oriundas de um saco de açúcar. Em seu pescoço e numa das pernas anéis de correntes presos a parede, num chão barrento e irregular. Quis se libertar, mas era inútil tentar. Apelou gritando mamãe sem cessar. Porém, veio ao seu encontro o capataz, para lhe fazer calar.

Uma chicotada a esviscerar a pele e mais outra pra dor adormecer pela sequência das feridas.

Sem entender, as palavras da violência e a escuridão do lugar, alheias ao silencio do medo foi paulatinamente se agasalhar.

Mal o dia amanhecerá, lá pelas quatro da manhã, a governanta veio chamar:

- Acordem suas preguiçosas, o canavial está a espera. Você vai cortar cana, você vai pra moenda, fazer açúcar, mel e você vai fazer rapadura.

Sem entender direito o que estava acontecendo Camila voltou a chorar e dessa vez o capataz a levou ao pelourinho para tomar 50 chibatadas.

A pele executada, estrebuchava em sangue vivo, lágrimas e muitos desmaios...a costa toda tatuada de dor e dilacerada começava a ser agora cuidada pela negras velhas da senzala.

Sal e óleo nas costas saltavam as dores. A perguntar aquela menina dizia:

- Onde estou? Que tempo é esse?

E alguém saiu do anonimato e disse:

- Você é escrava como nós. Deve obediência ao seu senhor. Faça o que lhe pedem sem reclamar, senão a voz que sempre ouvirá é essa que deixa marcas profundas até na alma.

Alguém completou:

- Menina, não importa o tempo e nem o vento, apenas faça calada.

A noite, a fazenda cercada pela mata, com velas e candeeiros acesos em toda a sua extensão se escondia na imensa escuridão para não ser descoberto pelo tempo.

No dia a dia Camila foi se acostumando a rotina do lugar... acordava as quatro da manhã e dormia as dezenove. Todos os dias lavava, passava, colhia, cortava, fazia farinha, plantava e a noite sem tv ou qualquer outro entretimento conversava com suas lágrimas, com seu cansaço de corpo e seus calos vivos.

As vezes a pão e água cochichava com outra igual, dos sofrimentos desiguais e injustos ao som dos grilhões no pescoço. E quando começava a entender, cansada adormeceu num sonho, onde caia num rio, sob forte chuva, com correnteza voraz, baterá a cabeça num tronco e acordou em sua cama.

Deparando com o seu celular em brasas, suas roupas marcadas de sangue e rasgadas ficará a pensar... entre a realidade e o sonho, se o que tinha vivido seria ou não verdade.

De qualquer forma resolveu mudar de atitudes com sua mãe e suas amizades ficando mais responsável e humilde.