Caçada de Perdiz

Caçada de perdiz

Jocenir Barbat Mutti

Nov/07

Nos belos domingos de inverno, depois da sesta, os irmãos Mutti costumavam caçar perdizes nos campos da fronteira oeste rio-grandense. Já no sábado começavam os preparativos, enchendo os cartuchos com chumbinhos na quantidade adequada e limpando os canos das espingardas. Esta operação, fazíamos com uma ferramenta, um arame do comprimento do cano com uma escova na ponta, embebida em querosene. Os caçadores já tinham o consentimento prévio do dono do campo onde ia ser feita a caçada, pelo menos era o que me diziam. Mas até hoje tenho dúvidas...

Normalmente o comboio partia com dois autos. Num, ia meu pai e eu de cachorro, e no outro meu tio com dois cachorros. Vez por outra meu tio mais velho nos acompanhava.

Após percorrer uns vinte quilômetros de chão batido, começavam a aparecer as primeiras perdizes, que vinham comer pedrinhas na estrada. Estas eram as mais difíceis de serem abatidas, pois o fato de aparecerem na frente dos carros fazia com que caçadores tivessem que descer. Então, mal isso acontecia, elas rapidamente se embrenhavam no campo. Quando era a primeira perdiz avistada no dia, o caçador ficava com a adrenalina a mil, pulando a cerca para correr atrás dela (presenciei alguns disparos acidentais) com a arma engatilhada e derrubá-la mais a frente. Os cachorros já tinham passado por baixo da cerca e lepidamente apanhavam a caça.

Quando entrávamos com os autos nos campos era mais emocionante. Descíamos dos carros, caçadores e cachorros, e começávamos a assoviar igual a perdiz. E as trouxas respondiam, direcionando nosso trajeto. Normalmente elas ficavam atrás de uma moita. Lógico que eram os cachorros, com olhos de lince, que viam as cabecinhas e mostravam o esconderijo. Os caçadores se exibiam, dizendo que miravam acima da cabeça da perdiz, para que o círculo de chumbo preservasse o corpo da caça. Mais tarde descobri que sempre sobrava chumbo no corpo...

Quando o sol começava a fraquejar, já dava para notar que meu pai, provavelmente por ser o mais comodista, tinha menos caça, não poucas vezes atirava sentado de dentro do carro. Meu tio, mais fominha, com mais filhos para alimentar, tendo o dobro de perdigueiros, caçava mais.

Quando meu tio mais velho participava, a caçada era outra, começava a ficar mais divertida. Sua espingarda de um cano só era muito antiga e ele também não fazia preparativo nenhum. Conclusão: quando aparecia a perdiz a preferência era dele, mas na hora agá, o cartucho negava fogo. Eu procurava ajudá-lo em seu problema de visão e algumas vezes cheguei a direcionar o cano da arma quase em cima do bicho, e então dizia para ele:

- Atira, tio!

Na segunda feira era uma barbada saber quem tinha matado aquela perdiz que era só chumbo.

Não sei quanto aos outros cachorros, mas este que vos fala e seus tios ficaram com zumbidos nos ouvidos e perda de audição por causa daqueles disparos.

Mas não termina aí. Na volta, tinha a pior parte para mim e meus primos, qual seja, fazer a depena, evisceração e lavagem de toda aquela caça. Neste momento eu pensava: - ainda bem que meu pai caçou pouco. E me convencia que as perdizes comiam pedras mesmo, pois era só o que encontrava no seu aparelho digestivo.

Na segunda-feira chegava a hora de devorar aquelas perdizes ao molho, com arroz e salada de batata.

Meio século passou, e hoje, toda vez que vou a Gramado acompanhado da mulher da minha vida, vamos comer “Perdice a San Pietro” no restaurante Moscerino. Ela, que dizia não gostar de perdiz, agora me acompanha, pegando até com as mãos, não sem a garantia de uma lavanda na mesa.

Hoje não sou mais cachorro de caçada de perdiz, mas me lembro delas sempre que forneço correntes ao cliente Perdigão...