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A rotina no abrigo não era fácil. As mulheres ajudavam umas as outras. Enquanto algumas lavavam, outras cozinhavam e outras, trabalhavam fora para ajudar na manutenção do local Tudo era muito organizado e bem planejado. Nunca houve sequer um único desentendimento entre as acolhidas. O serviço voluntário era realizado por instituições de caridade e as faculdades que estavam próxima da região, cediam as profissionais em estágio para atendimento psicossocial.

 

Os meses iam passando, a barriga de Mary crescendo e Noah tomando forma. Era um menino! E escolheu chamá-lo de Noah. Que significa Noé, aquele que levou os animais para a barca, dois a dois. Representava muito para ela a ideia de pares, afinal, desde sempre esteve sozinha, não queria que o filho vivesse a mesma experiência.

 

Tudo corria conforme o esperado, não fosse a última consulta feita por ela numa clínica particular do interior da cidade. Quando entrou para tirar as medidas e ver o seu peso, além de fazer o exame de ultrassonografia, deu de cara com o Aldrew sentado à cadeira do lado. Perplexa, tentou fugir. Mas foi tolida por ele, ao agarrar-lhe o braço violentamente e colocá-la no carro, levando-a para a clínica de fachada do Dr. Reyde.

 

Quando entraram, havia uma mesa com cadeiras, simulando uma sala de reunião. O prédio tinha muitos seguranças e as áreas comuns eram observadas por câmeras de segurança cuja central ficava logo na entrada. Havia muitas pessoas vestidas de branco com máscaras e toucas na cabeça. Nos olhos tinham óculos vitrificados. Não daria pra reconhecer absolutamente ninguém naquele lugar.

 

A cada andar que subiam havia mais um porteiro e um segurança. Parecia um prédio residencial comum, pois ouviam vozes e risadas de crianças, havia também piscinas, parques infantis e elevadores transparentes, dos dois lados da avenida. Era estranho porque o prédio tomava um quarteirão inteiro. Como se fosse profundo. Era gelado. Tão gelado que seu corpo arrepiava a todo tempo e os calafrios não permitiam que ficasse quieta. Tremia como se fosse uma vara verde. Até que chegaram.

 

Na antessala mulheres lindas arrumavam os cabelos, faziam as unhas e faziam massagens. Por um minuto pensou que fosse um SPA. Mas as mãos manchadas de sangue de um grisalho que os recebeu na sala, era prenúncio de tristeza.

 

Todos os sentimentos foram se assentando em sua alma. O desespero foi dando lugar a uma dor que não tinha tamanho. A tristeza tocou seus olhos e as lágrimas iam fazendo caminho na suaface que não era mais branca, mas transparente. Ela sentiu uma espécie de solidão. Talvez esperasse a visita de Deus, não que merecesse, mas carecia dela. Mas não! Cada porta que abria, fechava a sua esperança. Colocaram-na numa sala escura, obrigaram-na a despir das vestes, enfiaram enela uma camisola desbotada, retiraram as suas peças intímas e cortaram seus pêlos.

 

Não tinha nada mais que ela pudesse fazer. O destino que a trouxe para o Estados Unidos estava lhe dando uma sentença. E pior, a setença era de morte para Noah. Que culpa tinha ele de ter vindo ao mundo? Que culpa tinha o menino de dois seres humanos o terem gerado? Ele não pediu para nascer. Ele tem direito a ser feliz e a não querer morrer...

 

Leonan pegou-a pela mão, se apresentando. Ela o olhou e perguntou qual seria o método e ele disse:

- Não te informaram. Será feito uma indução para parto normal e, com o uso dos medicamentos, a criança morrerá por asfixia.

 

Sua única esperança era Leonan. Queria que ele me dissesse algo que a tirasse dali, mas ele apenas cumpria o seu propósito, e ela estava há alguns minutos da morte de Noah. Não tinha nada mais a perder e então acariciou o rosto do enfermeiro de forma leve e suave, cantando uma canção de ninar. Ele a olhou nos olhos e sorriu:

 

- Não tenha medo, vai dar tudo certo!

- Eu não quero que dê tudo certo. Eu preciso sair daqui, me ajuda.

- Você não viu o arsenal de seguranças? Não posso fazer isso. Apenas aplicarei o medicamento e induzirei o seu parto. O serviço é feito pelo médico. Só o auxilio.

- Leonan, por favor, pega o Noah e entrega pro padre da catedral de Notre. Quando sair daqui resolvo isso. Pelo amor à sua mãe. Por favor, não o deixa morrer.

 

E Leonan fez o acesso intravenoso e começou a preparar Mary. Quando ela, novamente:

- Leonan, por favor. Ainda há tempo. Não me desampare. Seu coração é bom. Saia daqui, vai. Você é mais que isso...

 

E Mary entrou em  trabalho de parto.

 

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Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 25/05/2022
Reeditado em 25/05/2022
Código do texto: T7523754
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