Enigma

Havia apenas uma luz, branca, incidindo de cima para baixa sobre a mulher vestida de preto. Por cima do suéter de gola alta, ela usava um casaco marrom com pelos nas bordas e tinha os cabelos tão compridos que, mesmo cacheados, tocavam sua cintura. As paredes escuras, a mesa de mármore frio e a dificuldade em ver o rosto das duas mulheres sentadas à sua frente lembravam a seriedade daquele momento – os métodos, porém, não seriam tão sérios assim.

É que acima de seu nariz, bem no início da testa, havia um post-it verde colado contendo uma informação muito importante. Porque ela amava aquela brincadeira, escolheu o “Quem Sou Eu” como oportunidade para descobrir a identidade do amor de sua vida: o nome estava ali, bem perto de seus olhos, mas ainda assim inacessível a ela. Morena teria a chance de fazer três perguntas – três perguntas assertivas, que seriam respondidas com sim ou não. Mas diferente da brincadeira original, não podia se dar ao luxo de “chutar e acertar” o nome – o combinado era que não lhe confirmariam ou negariam nome nenhum, para não atrapalhar o destino tanto assim, apressar ou até prolongar a história das coisas.

Morena se lembrou de todas as mulheres bem-sucedidas que haviam passado por ali e todas as que, ainda com as perguntas, erraram o tiro. Ela não seria uma das que erram, não mais uma vez. A peculiaridade de lhe deixarem passar por ali de novo lhe dava a responsabilidade do acerto e provocava preces silenciosas de misericórdia: errar, de novo, não! r

Da última vez, fez perguntas demais sobre si – agora faria questões objetivas sobre o outro. Tudo bem, começou:

- É uma pessoa residente, neste momento, neste país? – indagou, bastante séria, desconsiderando a expressão de surpresa das duas mulheres experientes à sua frente. Ambas já haviam ouvido perguntas de todo tipo, mas a generalidade daquele caso soou surpreendente.

- Não. – responderam as duas, enquanto contemplavam seu semblante descansar e um certo ar de “ah, poxa!” surgir misturado à sensação de certo alívio. Ninguém que ela já conhecia, então.

- Essa pessoa pretende voltar nos próximos anos... Um ou dois anos? – indagou, esperando ouvir um sim. Restava uma última pergunta. Algumas mulheres talentosas, sortudas e perspicazes apenas ali já tinham conseguido uma resposta – ou uma boa chance dela.

- Sim. – responderam ambas, enquanto uma não conseguia disfarçar o sorriso. Uma pista?

Depois de um suspiro de alívio e trinta segundo de reflexão, Morena disparou a última pergunta:

- Quando nós nos conhecermos, ele demonstrará interesse imediato?

- Hm... Essa é uma difícil. – respondeu a mulher que sorrira, enquanto a outra permanecia incólume, quieta, refletindo. – Não sempre difícil, mas difícil no seu caso. Não é que não saibamos a resposta, mas a sua pergunta contém um erro.

- Erro? – indagou Morena, afundando-se na cadeira. – Que espécie de erro?

- Se dissermos a ela, daremos uma resposta dupla que infringirá as regras do jogo – respondeu a mulher mais séria, impedindo a outra de dizer o que imaginara dizer. – Faça outra pergunta, querida. Você tem trinta segundo.

Sem tempo para questionar a decisão, Morena ouviu as batidas de seu coração acelerarem mais rápido que a passagem dos segundos e lágrimas de nervosismo brotarem de seus olhos Quão importante aquilo poderia ser? “Vá, só siga seus instintos” – dizia-lhe uma voz interior.

- Ele tem olhos verdes? – perguntou, quebrando o padrão imaginado e arrancando uma resposta conjunta das mulheres.

- Sim – responderam, em uníssono, aliviadas pelo fim daquela sessão.

- Eu não perguntei se ele era brasileiro, mas se vai voltar a esse país... – sai murmurando Morena, precisando ser detida no corredor de saída para que lhe retirassem o post-it (que ela também não havia lido, mesmo tendo tido a oportunidade). Morena era uma mulher de regras, no fim das contas. E a sua única naquele momento era “não errar”.

Outras mulheres, mesmo sabendo que certos homens não se adequavam ao papel ou as respostas que obtiveram, envolviam-se com eles e até desacreditavam do “ideal”. A própria ideia de “ideal” era perturbadora. Mas além de disciplinada, era uma sonhadora.

Meses depois, deparou-se com uma feira, uma espécie de recepção de intercambistas enquanto fazia seu usual trajeto trabalho-faculdade-casa e despretensiosamente olhava as ruas, pensando no futuro. Foi então que seu cérebro deu um “click” – mas quase todos tinham olhos castanhos ou azuis, exceto o homem parado ao seu lado para atravessar a rua em direção àquele destino.