O Dia de Ontem
Sua mãe o acorda dizendo:
- Não vai à aula, filho?
- Hã?
- Aula, não vai?
- Que aula mãe?
- Aula guri! Colégio.
- Mas hoje é domingo.
- Não, hoje é segunda.
- Como? Hoje é domingo mãe, ta louca?
- Meu filho, hoje é segunda, e se tu não correres, vai perder o segundo período também.
- Puta merda. Mas não pode...
- Eu não vou discutir, se tu perder o próximo período eu... Tu não sabe quanto custa o nosso dinheiro...
- Mas não pode ser! – Levantou-se rápido, e saiu pela rua, depressa. Parou na padaria, algumas quadras depois, e perguntou a atendente:
- Que dia é hoje?
- Segunda.
- E o domingo?
- Ué, foi ontem.
- Não! – E saiu correndo novamente, deixando a pobre atendente sem entender nada.
Algumas quadras depois, chega ao colégio. Vê o guarda, pede pra entrar, e pergunta sobre o dia, mas recebe a mesma resposta. Corre para a sala de aula, com o segurança correndo atrás, pois estava sem uniforme, não poderia entrar. Escancara a porta e entra, todos na sala olham confusos, e logo depois que entenderam a situação riam como loucos. Parou em frente a professora e perguntou novamente:
- Sora, que dia é hoje?
- Como assim que dia é hoje? Está louco guri? E que história é essa de entrar assim na minha aula? Some daqui!
A essa altura, o rapaz já estava muito nervoso, mas reteve seus impulsos de mandar a professora para algum lugar distante, e tornou a correr, desta vez, para a parada de ônibus mais próxima, lá, pegou um ônibus para a capital. Dentro do ônibus, resmungava sozinho, as vezes gritando: “E o domingo?”.
Chegou à capital, desceu do ônibus na pressa, correu para a casa do Governador do estado. Lá, pegando o político ainda tomando seu café, adentrou e foi logo perguntando:
- Cadê o domingo? - O político meio zonzo, pensou em chamar a polícia, mas era apenas um rapaz, não deveria haver problema.
- Como assim cadê o domingo? Foi ontem, hoje é segunda.
- Até tu! E pensar que votei no senhor.
- Mas que história é essa, rapaz, não tem modos, entra em minha casa desse jeito e...- O resto o rapaz não ouviu. Agora, ardia em raiva. Saiu porta afora pisando firme, chegou na praça central, e olhando fixo para cima, invocou a escada dos santos, e subiu, degrau por degrau, até o topo.
Lá, passou pelas portas celestiais do palácio dos céus. Deus, em seu trono de nuvens, discutia com seus subordinados, sobre coisas da terra. O rapaz parou a sua frente, encarou-o, espumando de raiva, e perguntou:
- Que história é essa de pular direto pra segunda? E nem avisa! Cadê o meu domingo? Que dia é hoje?
- Que dia você pensa ser?
- Ué, todos dizem que é segunda.
- E você acredita neles?
O rapaz então deu as costas e saiu, cruzou o palácio, desceu as escadas. De volta a terra, a cidade estava vazia, poucas pessoas, poucos carros. Voltou à parada de ônibus, pegou a condução de volta para sua cidade. Chegando lá, passou pelo colégio, onde reinava a paz e o silêncio, coisa muito incomum num dia de aula. A padaria, fechada. Chegou em casa, a mãe no sofá, assistindo televisão.
- Filho, aonde foste?
- Ah, dar uma volta.
- E assim? Com essa roupa de dormir?
- É, aliás, mãe, que dia é hoje?
- Domingo meu filho, e não esquece que amanhã é aniversário da tua avó, vai ter uma janta.
Ele esboçou um sorriso, leve. Voltou para o seu quarto, deitou em sua cama, e só se levantou no outro dia, segunda, pela manhã.