Tempo de liberdade

A década era oitenta. Os jovens em número de três. Recém universitários e ingressos no mercado de trabalho para auxiliar no custeio da universidade e, por outro lado, na manutenção da semana na capital, já que eram do interior.

Sentiam-se livres, leves e soltos. As horas de estudo somadas às horas de trabalho não eram nada frente aos planos diários. Muitos, muitos! A ciranda dos dias, sem celulares e dinheiro nos bolsos era frenética. A energia dos três, amigos de uma vida, era literalmente invejável.

Viviam planejando, como se tivessem todo o tempo e dinheiro do mundo. Mas essa questão não era relevante frente à astúcia que encaravam tudo.

Certa vez planejaram passar o carnaval em Laguna, praia conhecida na época por abrigar um dos melhores carnavais da região. Não foi necessária uma grande lista para o planejamento, já que o improviso sempre os acompanhou com sucesso.

Pedro, um deles, tomou emprestado o Corcel II do irmão e tranquilizou Maria e Cecília quanto ao transporte. Cecília pediu uma barraca emprestada para um primo e garantiu a hospedagem e Maria, por fim, garantiu uns quitutes feitos pela sua mãe para degustarem na viagem.

Partiram na madrugada da sexta feira, já pensando na folia do sábado. Quando chegaram em Araranguá se depararam com uma enorme enchente no rio Mampituba. Por lá ficaram mais de quinze horas até negociarem com um caminhão a travessia com o Corcel II. Os três, para não se perderem do meio de locomoção, sentaram na boleia balançando os seus pezinhos e rezando para que nenhum conhecido os vissem daquela maneira. Travessia conclusa, partiram felizes para Laguna.

Lá instalaram-se, depois de umas cinco horas montando a complexa barraca, no Camping Senhor Natureza, no Morro da Glória, muito distante do centro da cidade, onde já acontecia o carnaval. Como a grana já estava curta, pensaram no melhor custo-beneficio e, no domingo à noite, impecavelmente fantasiados com o que levaram, desceram o morro para a folia. Inconscientemente esqueceram que perderam a noite de sábado resolvendo todos os percalços.

Chegando no centro surpreenderam-se com a quantidade de foliões e com a simplicidade com que o carnaval era curtido. As fantasias eram máscaras de todas as cores e formas, transformando as vielas de paralelepípedos em uma passarela multicolorida aberta para a folia.

Os três, fantasiados a rigor, resolveram entrar no agito e acabaram fazendo o maior sucesso, e bebendo muito gin tônica e sentindo-se livres para um mundão que estava por vir.

Pela manhã, exaustos, não encontraram o carro e dormiram na praça mesmo, espraiados na grama entre canteiros de pingos d´ouro verdejantes. Mas tinham tempo, o maior tempo do mundo para encontrarem o Corcel II no outro dia, recomporem-se e retornarem na madrugada de segunda, completamente extasiados com o que viveram, e adentrarem ao seu dia a dia prontos para o que tivesse que vir em termos de estudo e trabalho.

Sabiam que o enterro dos ossos estava logo alí.

Rosalva

09/07/2022

Rosalva
Enviado por Rosalva em 27/07/2022
Reeditado em 28/07/2022
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