Zileide queria fazer uma surpresa pro marido. Depois de 12 meses trabalhando em outro estado, o mínimo, seria um jantar à luz de velas. Desempregada há sete meses, não tinha como arcar com os custos não planejados. Além do mais, precisava de cabeleireira, manicure e depiladora: gramado alto, pixuim embebido no óleo e unhas disformes. O casamento tinha apenas dois anos, dos quais, apenas 6 meses viveram juntos, no mais, por causa de trabalho, sempre moravam em cidade diferentes e até mesmo estado.

 

Foi ter com Nicete, uma conhecida, pra pedir sugestões de como poderia levantar a grana. Nicete, experiente em tirar proveito da vulnerabilidade alheia, sugeriu que Zileide virasse vidente por um dia. Pra ela o seu nome já era um atrativo. Ela ajudaria, mas o valor ganho seria partilhado entre elas.

 

Zileide, ao contrário de Nicete, sempre foi direita. Trabalhava honestamente, pagava suas contas... Mas, naquele momento, se esqueceu de quem era e pediu a Nicete que lhe comprasse uma bola de Cristal.

 

Chegou em casa, acessou a internet e começou a pesquisar tudo sobre o ofício. Na propaganda colocou apenas o seu número de celular antigo. Assim, poucos saberiam. Para ela, quanto menos holofote, mais fácil seria passar despercebida.

 

Criou um perfil fake nas redes e começou a divulgar detalhes sobre o atendimento. Mal sabia ela que bem mais rápido do que esperava, alguém a chamaria no direct e perguntaria sobre valores. Ela pensou e propôs duzentos. O cara quis um desconto. Ela irredutível, disse que daria de brinde, um mapa do amor. Marcaram o encontro na casa de Nicete. Afinal, morava no final da rua estreita, e não levantaria suspeita.

 

Zileide vestida de branco, saia rodada, cabelo com lenços, cobriu a mesa com uma toalha preta e colocou uma máscara de um baile, ocorrido há mais de 20 anos.

 

O rapaz chegou. E para sua surpresa era o seu marido. Nicete sugeriu que desistisse, mas a curiosidade era maior. Então, Zileide a induziu a vestir-se e a iniciar a sessão. Mas como estava com a pulga atrás da orelha, colocou o celular bem defronte à cadeira, escorado num livro.

 

- Sou Zara. Em que posso lhe ser útil?

 

- É que estou desesperado. Voltei ontem pra minha cidade e preciso contar à minha esposa sobre o ocorrido, mas antes, preciso saber qual será a reação dela. Você consegue prever?

 

- Bem, não posso afirmar que ela... Bem... Vejo algumas imagens desfocadas em tom sombrio. Já sei. Vejo algo! Entrando no seu casamento... Destruição. Vejo também uma nuvem escura de tristeza e angústia. Muito choro, dor, sofrimento.

 

- Mas moça, o que mais você vê?

 

- Uma mulher tirando todos os seus recursos. Uma mulher roubando tudo o que é seu. E, pior, Vejo a morte. Você sendo engolido por ela.

 

- Moça do céu, isso não pode ser verdade. Ela não seria capaz disso. Por favor.

 

- Sugiro que acabe logo com isso...

 

- Moça, por favor, não vá. Responda mais...

 

Nicete deu as costas para o marido de Zileide, afinal, não queria se comprometer, ainda mais com o que acabava de ouvir.

 

O rapaz saiu pela porta desesperado. Preciva voltar pra casa e contar à Zileide. Mas como ela reagiria?

 

- Amor! Que saudade... Disse abraçando-a.

 

- Bonito, Dirceu. Muito bonito. Onde você estava?

 

- Como assim onde estava, amor? Em São Luís, lembra: trabalho x dinheiro x vida.

 

- Sei. Mas e as novidades? Não tem nada de novo para me contar...

 

- Pois é, amor. Precisamos conversar. É que...

 

- É que... O que seu vagabundo? Qual é o nome da puta? Fala logo.

 

- Que isso, amor. De onte tirou isso?

 

- Como é que se atreveu a arrumar uma rapariga sendo casado, seu sem vergonha, descarado. Eu aqui, preocupada em deixar tudo perfeito pra sua chegada e você com essa cara de pau, envolvido com uma terceira pessoa. Correndo atrás da Nega pra aparar a grma, na Néia pra fazer unha. E você, seu salafrário?

 

- Como assim, amor. O que houve? De onde tirou isso? Por que está falando desse jeito. Temos quase três anos juntos, apesar de não convivermos, diariamente, sempre fomos parceiros de vida.

 

- Parceiros de uma ova! Solta tudo jumento de circo. Fala logo.

 

- É que perdi o emprego.

 

- E ainda põe cima, a vaca molhada o fez perder o emprego? Como assim perdeu o emprego? Era a única coisa para a qual prestava.

 

- Não, amor. Calma. É que fui viajar com o pessoal da Fiat para manutenção de um motores. O salário era alto. Perguntaram-me se sabia falar português corretamente. A empressa era exigente com seus funcionários. E eu menti. Não podia falar que fiz supletivo. Chegando lá, fomos ao supermercado e Dr. Pedro que nos acompanhava, viu a juíza que o ajudou num processo trabalhista e falou algumas frases com ela e como bobo não sou, decidi usá-las no dia seguinte. Eu que não tinha jeito nenhum e com sotaque, fiquei apenas observando as falas. Mais tarde, quando chegamos à empresa, encontrei Lires, que nos recepcionou para dar boas vindas. Como queria passar uma boa impressão, aproveitei de algumas falas de Dr. Pedro e - Boa tarde, meretriz! Espero que nos abras as portas da felicidade! A senhorita sabe de nossas necessidades. Especialmente as minhas... A mulher, meu bem, proprietária e diretora geral da empresa, chamou os seguranças e pediu que me retirassem do lugar. Despediu-me, por justa causa, e ainda prometeu me processar, retirando cada centavo de minha vida. Voltei  para casa desolado, de ônibus, temendo a repercussão daquele feito. Com uma mão na frente, outra atrás. Mas antes de arrumar as malas, no Maranhão, fui ler o significado de meretriz na internet. E, apavorado, chegue à conclusão de que não era bem aquilo que o amigo tinha dito à juíza.

 

A mulher, caindo em risos, olhou pra Dirceu e disse:

 

- Já entendi que mulher vai retirar tudo da sua vida! E aproveitando a oportunidade,  senhor meretrício, onde tirou dinheiro pra pagar uma cartomante? De novo caindo nessas armadilhas. Você nunca aprende! Vai ser bobo assim na Monarquia. Bati minha gilete à toa. Idiota. Meretriz? É isso que dá mentir. Eu estou com vergonha alheia. Daqui a pouco os vídeos chegam aí e você fará sucesso. Eu não consigo acreditar!

 

[* Caso real, com pequenas adaptações, é claro.]

 

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 14/09/2022
Reeditado em 14/09/2022
Código do texto: T7605424
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