O Universo é Indiferente a Você

Em um quarto escuro localizado no décimo segundo andar de um prédio na cidade de São Paulo, Josué olha para corda tentadora que balança com o vento de lá e para cá, ouvindo como uma voz que o chama para aquele nó mortal que a enfeita. Josué Bellini um homem de meia idade com seus 34 anos vivido, arquiteto, branco, solteiro e vindo de uma família de classe média alta que fazia parte dos ciclos burgueses da cidade. Agora vive um dilema permanecer vivo ou não em um mundo em que não acha mais interessante. Toda sua vida fora uma completa decepção, perdera o seu negócio lucrativo investindo demais em ações que o levaram a ruína, endividado até o último centavo foi forçado vender sua empresa de decoração de interior e todos os seus bens para garantir o pagamento de suas dívidas. Não aguentando ter que baixar o seu nível social pede dinheiro emprestado ao agiota, pegando uma quantia de R$ 250.000 para pagar em seis meses, porém o dinheiro não teve um retorno como imaginava e mais uma vez está em um beco sem saída para saber como solucionar todo o seu problema. Um homem orgulhoso decide não pedir a ninguém por ajuda, pois sabia que seria inútil, ele mesmo havia virado as costas para sua família que não mais residia na mesma cidade que ele. Por um momento pensa em todas as possibilidades visíveis em sua mente e não encontra nenhuma.

Era tarde para lamentar o que não havia solução e pacientemente Josué Bellini coloca a corda em seu pescoço, ver todo o filme de sua vida passando diante dos seus olhos e pula da cadeira para o estranho destino da humanidade, esse encontro que reúne todo mundo em um só rebanho de condenados por que todo que é vivo um dia morre. Um clarão reluz diante dos seus olhos atônitos e por meio de um pequeno feixe estreito consegue passar até um lugar tenebroso, vazio e escuro. Ali ele ver corpos retorcendo de dores e angústia em uma espécie de pântano dominado por uma fumaça espessa e fétida ao seu olfato como uma terra desolada por uma guerra. Quando de repente sente um toque firme no seu ombro e ver um homem já idoso com seus 68 anos de idade aparentemente, que o olha com um sorriso no rosto. Josué assustado com tudo aquilo pergunta onde está e o homem disse que é o mundo dos mortos. Aquele lugar é onde vão todas as pessoas que morrem independentemente de qual seja a causa. O homem que na outra vida teria sido Jonas Becker um imigrante alemão que havia vivido na fronteira entre Brasil e Uruguai no século XIX e que no tempo que esteve pela Terra havia sido um fazendeiro muito rico, possuidor de grandes terras. Acompanhando Jonas que começa a caminhar, Josué começa a ver uma fila de pessoas que caminham cambaleante em direção a um buraco profundo que fica no topo da montanha. Eram milhares de pessoas que se dirigiam para esse buraco como se não tivessem domínio pelo o seu corpo e mesmo assim se jogavam nesse precipício. Ele muito assustado com aquilo pergunta, e onde estava o paraíso ou inferno que tanto haviam ensinado para ele a vida inteira que existia? Onde estava o lugar reservado aos justos? E onde estava a salvação pela fé, propagada pela Igreja?

Confuso com tudo aquilo ele olha bestificado para Jonas que pacientemente o fita com um olhar descrente e fala que o destino de todos os homens e mulheres que já existiram em vida é aquele, não existe essa fantasia de céu ou inferno, de bom ou mau, de paraíso ou de punição eterna, a morte é também o fim da vida e a não existência. Os homens que caminham em direção ao buraco sem fundo são almas que deixarão de existir nesse plano e ficarão relegadas eternamente ao limbo. Então sem acreditar em nenhuma palavra que Jonas falava ele pergunta:

---- Então onde está Deus? Qual o sentido de viver? E por que está vivo?

Jonas senta em uma pequena rocha que está ao seu lado e manda Josué fazer o mesmo, os dois sentados ali Jonas começa a explicar:

---- O sentido de Deus aqui é entendido como o Universo tudo aquilo que nos abrange, aquele que nos traz a realidade, o tempo e a matéria tudo sempre existiu, não houve um começo e nem haverá um fim, apenas ciclos existenciais que retornam a um mesmo ponto do cosmos com infinitas variáveis que podem ocorrer ao longo do tempo. Nesse Universo infinito de tamanho a única coisa que progride sem cessar é o tempo sem se repetir jamais o tempo é linear na escala cósmica. O Universo está fervilhando em vidas não só humanas, mas fora da Terra também existem milhares de vidas inteligentes como nós em outras galáxias e outros planetas longe do nosso em diversos outros planos.

Josué boquiaberto com toda aquela explicação insiste mais uma vez na sua pergunta. Qual o sentido de estar vivo então?

---- O Universo não tem um sentido para existir ele existe por si só, ele é caótico não tem uma ordenação certa. Ele cria a ordem apenas depois do caos e mesmo em um planeta que tinha todas as condições necessárias para existir vida, simplesmente a vida não vinga naquele planeta candidato a receber essa dádiva. O nosso planeta foi apenas mais um que teve sorte de desenvolver vida durante tanto tempo e evoluir para uma vida inteligente como a nossa. O Universo é indiferente aos nossos problemas, as nossas dificuldades as nossas orações e aos nossos sofrimentos . Não há ninguém que nos escuta ou nos favoreça, apenas existimos por existir não há um caminho correto e nem errado, apenas existimos pelo capricho de uma força maior que não compreendemos e que também não encontramos no pós-morte.

Jonas dar uma pausa e olha para a fila de corpos que sobem a montanha para se jogarem até o buraco profundo escuro que ninguém sabe para onde leva. Lá ele observa homens, mulheres e crianças que vão sem sentir medo até um destino inescapável que os espera. E mais uma vez volta a falar.

---- Os seres humanos sempre tiveram uma necessidade suprema de encontrar uma razão para existir, algo sobrenatural que os justificasse como seres superiores aos demais seres vivos a sua volta e que tivessem algo divino dentro deles para que suas vidas valessem a pena serem vividas e para isso inventaram muitos mitos, deuses, lendas e religiões ao longo dos séculos para que suas vidas enchessem de sentido, porém nada disso é real, o ser humano nasce com suas faculdades mentais para que possa sobreviver e ser superior mesmo aos outros animais e com sua própria força e intelectualidade prosperar. O sentido dos seres humanos é construído por meio de cada um, o ser humano está fadado a ser livre de corpo e mente e nada o que ele faz tem um sentido bom ou ruim para o universo. Esses conceitos foram inventados por nós, porém nós somos livres para escolher qual o caminho que nos agrada mais. Não teremos recompensa divina por ser bom e nem teremos punição divina por ser maus, dentro de cada homem e mulher existe a capacidade de ser bom ou ruim e o que você escolher em vida você colherá em frutos no futuro, o universo não julga e nem condena, ele apenas existe para que a nossa vida seja favorável. O sentido meu caro deve ser criado por nós para aquilo que nos faz sentir bem. Se você se sente feliz fazendo o bem é a sua escolha e você será recompensado pela sociedade não pelo o Universo, assim como fazer o mau o Universo também não lhe condenará. Depois que morremos somos todos iguais apenas um corpo sem vida com uma alma passageira esquecida no limbo. O maior sentido da vida no meu ver é a sua efemeridade é o pouco tempo que temos para fazer tantas coisas maravilhosas, para amarmos tantas pessoas e para conhecermos o mundo e suas belezas, porém perdemos esse precioso tempo tentando acumular riquezas e tesouros e esquecemos o quanto é passageiro a vida que temos ao lado das pessoas aqui na Terra.

---- A maioria de nós quando vivo pensa mais na morte do que na vida, alguns perdem dias pensando, como será minha morte? Como serei lembrado pelos outros? O que deixarei para os que ficam? Se os outros soubessem que a morte é o menor dos nossos problemas eles não se preocupariam com ela, mas sim com a vida. Devemos pensar o que vai ser feito em vida, como poderei evoluir como ser humano e quem poderei ajudar enquanto vivo. Não devemos nos preocupar com um destino inevitável da humanidade que é morte, mas sim a vida que temos na Terra, pois o tempo é a única coisa que realmente temos. Volto a repetir o sentido da vida está nos olhos de quem ver e tudo que fazemos só há um sentido se nós decidirmos dar um a ele. A liberdade é a única constante que existe na vida de todos humanos e a única benção que ganhamos.

Confuso e indagando mais uma vez Josué pergunta:

---- Se tanto faz ao Universo sermos bons ou ruins, então por que o Universo retribui os frutos de acordo com minhas ações?

Pacientemente Jonas pega uma pequena pedra a observa e a joga em direção a fila de almas que vão vagando até o precipício.

----- Na infinitude do Universo as nossas vidas não são importantes, temos um curto período de tempo para vivermos e quando morremos não deixamos nada que nos lembrem. O universo não se importa se você viveu uma vida boa ou não viveu. Se um asteroide destruir o planeta Terra ninguém vai saber que existiu ali uma civilização de seres que achava que era única inteligente que existia no cosmo inteiro e que se dizia ser feita a imagem e semelhança de um Deus todo poderoso. O Universo necessita de ordem para existir ele precisa ser regulado aquele que prega a ordem, a organização e a paz em seu convívio também receberão essas recompensas como uma dádiva, da mesma forma que aquele que prega a destruição, a mortandade e a desordem também irão colher o que semeou. O universo não encoraja ninguém a fazer o bem ou mal, mas de alguma maneira beneficia quem faz o bem por que ele praticou primeiro e pune o mau por que ele agiu assim primeiramente. A moralidade em nossas vidas não é importante para o restante do Universo, não importa para ele com quantas mulheres você dorme ou deixa de dormir o que interessa para o Todo é quantos herdeiros você deixará no futuro, por que para o cosmo não importa a vida que passou e sim a vida que virá e as infinitas possibilidades que aquele novo ser vai realizar. Dentro de cada um de nós brilha uma centelha que chamamos de divina que é o nosso Juízo e é ele quem deve ser o nosso guia, ele é quem deve ser o nosso norteador, pois somente ele pode nos fazer feliz com a escolha que tomamos em vida. Somos limitados em nossos corpos físicos e na nossa curta vida que temos, só conseguimos durar por algum tempo quando os nossos genes vivem na geração futura e o mais importante quando nossas ideias sobrevivem na mente dos outros, dessa forma somos quase eternos, pois só morre aquele que não é lembrado.

Com os olhos enchendo de lágrimas Josué olha para aquela paisagem desoladora negra, esfumaçada, sem nenhuma vegetação por perto e lembra de tudo que poderia ter vivido, todos aqueles que poderia ter amado e tudo que queria fazer, mas a sua própria pessoa colocou limite em suas ações, nas suas palavras e nas suas vontades não conseguiu ser feliz como queria ser, mas sim um homem preocupado, com medo e assustado com as incertezas do futuro. Pensa na sua pequenez como ser humano em um universo tão gigantesco e percebe o quanto realmente o cosmo é indiferente para vaidade humana, o quanto o orgulho que sempre imperou na sua mente o afastou da sua família, o quanto a sua teimosia o fez apostar em escolhas erradas e o quanto o medo o fez se afastar da mulher que amou. E no final da sua reflexão ele lembra, se todos aqui estão fadados até o mesmo destino como Jonas Becker sabe de tudo isso. E pergunta:

---- Como o senhor pode saber de tudo isso, é por acaso diferente dos demais mortais?

E Jonas responde:

----- Recebi essas informações de almas que também haviam falecidos a centenas de anos atrás e que não estão mais aqui conosco, mas sim no limbo esquecido. De algum modo a minha alma não se dirigiu ao monte para se jogar no precipício, não imagino o porquê. Porém conto todo os segredos do Universo para todos aqueles recém chegados aqui que por uma maneira desconhecida que também não sei explicar são capazes de me ver e outros não. Como eu falei, se esse é o meu destino eu o farei e se não for eu também não me importo por que eu decidir fazer. O destino de cada ser senciente como nós humanos está em nossas mãos e ninguém pode tirar de nós nem mesmo o Universo.

Tomado por um choro incontrolável Josué começa a derramar lágrimas diante daquele homem desconhecido, quando sente uma força incontrolável que controla o seu corpo já morto o faz levantar em direção ao monte que leva ao buraco onde as almas se jogam. Ele entra na fila daquelas almas errantes e perde por total a sua consciência. Caminha lentamente como cadáver, sobe a montanha e se joga no limbo do esquecimento, por que para o Universo não importa uma vida que passou e sim uma que virá, pois o tempo que passou não interessa mais a ninguém apenas um novo tempo que vai chegar. E assim Josué Belline conhece o sentido da vida mesmo que tarde, sabendo que a felicidade não se esconde em algo grande ou sobrenatural, mas sim em pequenos detalhes imperceptíveis que a vida carrega.

Davi Freitas - 25/09/2022

Kaynne
Enviado por Kaynne em 25/09/2022
Reeditado em 30/09/2022
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