No Mar de Perdição

Era uma tarde de setembro de mares bravios que o então navio Capitão Cook navegava no Oceano Índico saindo de Panjabe na Índia até Londres na Inglaterra, levando consigo a elite inglesa que dominava o país indiano em meados de 1820. Quando na noite do mesmo dia uma tempestade imprevisível invadiu o navio o naufragando em águas tempestuosas e perdendo para sempre o outrora poderoso navio na perdição do oceano escuro. Em poucos botes que haviam só os mais privilegiados senhores e senhoras inglesas embarcaram deixando a maioria da tribulação formato por indianos que trabalhavam na tripulação afundarem junto com o navio inglês.

Em um desses botes estava o senhor Bryan Douglas Lewis um oficial de alta patente da Companhia Britânicas das Índias Orientais que estava embarcado no navio para descer em Manchester e rever a sua família que à anos não via, fora um dos sobreviventes que por sorte conseguira encontrar um bote e se salvar, porém ele não estava sozinho, estava acompanhado de um garoto indiano que tinha por volta de 22 anos, trabalhava na cozinha do navio e que com muito esforço e luta conseguiu invadir esse bote proibido para “pessoas de cor”, o nome do garoto era Narkton proveniente da mesma cidade da onde a embarcação havia partido a cidade de Panjabe.

Passado 14 horas do acidente e o bote à deriva navegava calmamente pelas ondas do oceano sem encontrar nenhum sinal de terra a vista. Tudo muito calmo e os dois só viam diante dos seus olhos um infinito mar azul arcano que se estendia até o horizonte. Depois de passar todas aquelas horas os dois tripulantes do barco só se entre olhavam rapidamente um para o outro com grande desconfiança. Até que o Sr. Lewis se levantou rispidamente foi em direção a Narkton e começou a vasculhar uma sacola de pano que havia atrás do garoto. Por acaso essa sacola havia alguns mantimentos: um pedaço de pão, uma garrafa de vinho, um vidro de pêssegos em conserva, pedaços de carne seca e um pote de azeitonas. Aquilo iria ser o fator de sobrevivência dos dois. Quando Lewis viu tudo aquilo ficou maravilhado e começou imediatamente a comer desesperadamente sem se preocupar nem a oferecer ao garoto. Depois de uma pausa, pensou e ofereceu um pedaço do pão seco a Narkton. O jovem ficou receoso em aceitar, mas a fome falava mais alto e pegou um pedaço do pão oferecido pelo o inglês. Na primeira noite que passaram juntos fazia um frio muito grande em alto mar e para passar o tempo Lewis contou a Narkton. Que era o um importante tenente coronel da coroa britânica, senhor de grandes propriedades de terras, comandante de mais 12 mil homens e fidalgo vindo de uma família descendente de nobres, onde seus antepassados herdaram grandes lotes de terras por lutarem ao lado de reis. Pai de 4 filhos e marido de uma linda esposa, Lewis que possuía 42 anos de idade se dizia também ser um bom cristão e um soldado leal para as causas da rainha. Narkton muito entusiasmado com a história contada tentava assimilar tudo aquilo na sua mente já que entendia pouco de inglês e assim buscava traduzir cada palavra em sua mente.

Depois de uma longa conversa onde Lewis exaltava todas as suas qualidades como homem e como oficial, o pobre garoto indiano começo a refletir e entender que aquele homem merecia e precisava sair vivo daquela situação, ele era importante demais para sucumbir daquele jeito, ele tinha que viver, pois ele era necessário para tornar o mundo mais justo e melhor para o bem do mundo para o bem da Índia. No dia seguinte a sacola de mantimentos que Lewis encontrara já não estava tão cheia como no dia anterior. Eles tinham que racionar comida se não eles iriam acabar com tudo rapidamente, depois de uma conversa rápida com Narkton o indiano entende a situação e cede a sua cota de alimento para Lewis que assim o aceita. Na tarde do terceiro dia o desespero da fome já atingia os dois e eles já se encaravam constantemente um de cada lado do barco com dúvidas sobre os seus destinos. Depois de observar o mar por um bom tempo já que isso era a única coisa que os dois faziam com frequência Narkton teve a brilhante ideia de usar os cadarços dos seus sapatos junto com uma pequena agulha que levava no bolso e fazer um anzol para pescar. Narkton era bastante experiente nisso já que passou grande parte da sua infância pescando nos rios da Índia. Ele pegou o ultimo pedaço que tinha de pão que havia sobrado e jogou no mar com a esperança que o seu deus protetor Shiva o ajudasse. Esperou, orou, suplicou e tentou novamente até que um peixe fisgou no seu anzol improvisado. Contentes de tanta alegria os dois tiraram a pele do peixe e comeram cru mesmo com restante das azeitonas, depois de saciarem a fome que os estavam deixando loucos. Lewis guarda um pouco do peixe que sobrara para comer no outro dia. Satisfeito com seu sucesso na pescaria e agradecendo a Shiva por aquela bênção concedida, Narkton dorme satisfeito com a sensação de barriga cheia que não tinha desde aquele infeliz incidente.

No meio da noite Lewis pensa consigo mesmo que precisava sobreviver a todo custo e começa a vir na sua mente sorrateiramente que em situações desesperadoras é preciso ter atitudes desesperadora e assim tendo isso em mente ele pega o resto do peixe que havia sobrado e o come mesmo sabendo que deveria dividir com seu companheiro de bote. Naquela mesma noite Narkton acorda sobressaltado pois havia começado uma tempestade e ameaçava virar o barco os dois tentam de toda maneira deixar o barco sobre a água, porém Lewis é arremessado para fora do barco e cai na água, o garoto não pensa duas vezes ele pula na água e o salva. Ele sabia que o Sr. Lewis era muito importante para terminar a sua vida ali, aquela ideia estava muito fixa em sua cabeça e ele faria de tudo para se concretizar. Passado algumas horas de tempestade, a chuva começou a cessar, tudo se acalmou e os dois esperaram juntos o amanhecer do dia. Já no quarto dia a deriva os dois não tinham mais o que conversar só sentia a brisa do mar, o chacoalhar das ondas e fome, muita fome. E foi quando Narkton lembrou – se do peixe que Lewis o havia guardado e perguntou pelo o último pedaço que restara. Lewis de súbito respondeu rispidamente que a tempestade o havia levado e ele não conseguira salvar. Narkton com consentimento entende que sua vida não importa tanto e sem esperança ora mais uma vez para que Shiva fortaleça o seu espírito diante de situação tão difícil. Ao ver isso Lewis repreende o garoto e diz:

---- Deixe de orar para esse seu deus inútil, pois ele nada fará já que nem ao mesmo existe.

Surpreso com a ira repentina do homem, Narkton continua orando, agora em tom mais alto. Lewis não satisfeito que aquele garoto tão inferior à sua classe e posição que não obedecera às suas ordens o empurra e o agride, dizendo.

---- Seu insolente, só existe um deus verdadeiro e ele está olhando por nós e ele com certeza me salvará, não sei você que adora um deus de mentira, mas com certeza ele me livrará desse caminho perigoso no qual eu tive o azar de acabar com um inútil igual a você.

Com muita calma e resiliência Narkton, pergunta.

---- Então onde está o seu deus para o salvar agora?

Lewis já irritado com a pergunta daquele mestiço de cor que o indiano representava, decide encerrar a conversa e se retira para o lado esquerdo do barco. Ele lembra do seu subalterno de confiança Jahnu o único homem de cor diante dos milhões de indianos que vivia ao seu redor que ele tinha confiança, ele era o segundo no comando depois dele. Lewis achava Jahnu um homem honrado apesar de indiano vindo de uma linhagem pobre o via como um homem de alma nobre e tinha muita estima por ele. O inglês tinha dado o posto como comandante local na sua ausência já que ele tinha muita simpatia entre os soldados indianos e o seguiam fielmente. Lewis não tinha certeza se Jahnu havia embarcado naquele navio e nem imaginava se ele estava vivo ou morto até aquele momento.

Na manhã do quinto dia Narkton já não conseguia pensar direito de tanta fome, a insolação estava o deixando fraco a sua pele já avermelhada ardia com o calor do sol constante batendo em seu corpo com esforço grande levanta a cabeça e ver caído Lewis que agonizava em delírio do outro lado do barco. Ao vê-lo corre para ajuda-lo e percebe que ele está agonizando aos poucos. Ele pega a sua garrafa com água potável e oferece o seu último gole para o homem, Lewis se agarra a garrafa desesperadamente e bebe toda a água oferecida e fala que não aguenta mais. E com a voz fraca e rouca implora que ele pesque mais um peixe, porém o anzol se perdera na tempestade e Narkton não possui mais forças para fisgar um peixe e arrasta-lo para o barco. No cair da tarde o pobre garoto pensa sobre a sua vida, como ela tinha sido difícil e miserável e que não iria deixar nada de importante no mundo para se lembrarem dele, nenhum grande feito, nenhuma medalha no seu peito, nenhuma bela esposa. Só agradecia por não ter repassado os seus genes para nenhum outro indivíduo para sofrer igual a ele. E olhava com os olhos perdidos para aquele homem que estava morrendo na sua frente e como uma decisão final daquilo que havia prometido quando estava no primeiro dia naquele barco, ele subitamente pega a sua faca que estava em sua cintura corta um pedaço da sua coxa e dar para Lewis dizendo que aquilo era um pedaço de peixe cru. O inglês ao ver o pedaço na sua frente o abocanha e come todo o pedaço sem deixar um vestígio e diz a Narkton com uma voz quase inaudível.

---- Você fez certo em me ajudar eu preciso viver, preciso escapar, não posso acabar assim.

O garoto indiano também pensava do mesmo jeito o seu sacrifício serviria para a sobrevivência do homem que iria trazer a glória da Índia e do mundo. Saindo com muita dor de perto de Lewis ele pega um pedaço de pano e cobre a sua coxa cortada fazendo um curativo. No dia seguinte, no sexto dia perdido na imensidão do mar. Narkton acorda e ver Lewis com a boca aberta, os olhos abertos, o nariz sangrando e morto. Desesperado ele não entende como depois de alimentar o homem com a sua própria carne ele sucumbe desse jeito, por que o destino brinca comigo, pergunta ele. Depois de horas vendo aquele corpo inerte na sua frente começam a vir ideias. Ideias essas perigosas onde ele se perguntava se poderia se alimentar daquele corpo moribundo, se ele poderia tentar sobreviver, se ele era digno de viver. Todas essas ideias passaram pela sua cabeça como demônios que o assustavam. Tentado por tanta loucura ele reza baixinho para o seu deus e pede discernimento para suas ações e decide por fim jogar o corpo de Lewis ao mar para que ele ao menos tenha uma morte honrada ao invés de ser comido por ele. E com suas últimas forças enrola o seu corpo em um pano branco que havia no barco, retira a sua farda e as medalhas que carregava consigo e o lança ao mar para que ele descanse em seu sono eterno. A noite passa e o sétimo dia chega a arraiar com o anúncio do sol, o indiano sem força e sem esperança espera sem pressa a sua morte olhando para o céu azul acima. Quando de repente ele escuta a buzina de um navio bem próximo ao seu barco, sem força ergue o braço para a tripulação que está no navio e acena dizendo que ainda estava vivo e é resgatado pelos marinheiros daquele navio.

Narkton acorda em uma cama macia em uma sala bastante iluminada e ver uma mulher que cuidava dos seus ferimentos ao seu lado. Ela oferece uma sopa e com desespero de quem estava faminto a dias ele pega o prato e come rapidamente. Depois pergunta onde está. Ela diz que ele está no quarto enfermaria do navio e o que seu ferimento na sua coxa ficaria curado e que estava livre de infeccionar. Passado algumas horas de interrogatório por parte da moça ela o chama Jahnu e Narkton sem compreender direito apenas balança a cabeça positivamente já que estava desorientado demais para entender todas aquelas informações e pede um tempo a sós para colocar as ideias no lugar.

Lewis havia falado realmente de um homem chamado Jahnu e que só agora ele havia lembrado depois que a enfermeira o chamou por esse nome. Na cabeça de Narkton ele imaginava que só foi salvo por que o confundiram com esse tal de Jahnu, então sai da cama ainda se sentindo fraco e vai de encontro a enfermeira. Ele a ver no parapeito do navio e a primeira pergunta que faz é se há mais sobreviventes do naufrágio fora ele. A moça espantada com a pergunta repentina responde lamentando que ninguém mais foi encontrado com vida fora ele. Ele pergunta para onde estar indo o navio que está e ela fala que está indo até Holanda. Então a mulher pergunta:

---- Senhor Jahnu foi encontrado apenas a farda e os pertences do comandante Bryan Douglas Lewis.

Ela conta que o oficial Lewis era portador de uma doença degenerativa e que apesar de ele parecer bastante forte ele possuía uma saúde frágil, onde não podia passar muito tempo em um sol escaldante. E assim Narkton deduz que essa fora a causa da morte de Lewis e não o sabor da sua carne. E responde.

---- Ele morreu certamente dessa causa, não aguentou a fome e a insolação, tentei ajuda-lo como pode, mas no fim veio a óbito.

Então a enfermeira balança a cabeça com sinal de afirmação e pergunta mais uma vez.

O senhor vai fazer o relatório do desastre para coroa britânica apenas quando voltarmos para Índia ou fará na Holanda?

Então Narkton responde subitamente.

---- Farei assim que chegar ao meu destino. Agradeço muito pela sua ajuda.

Então desde esse dia Narkton assumiu a identidade de Jahnu e não se sentia mais aquele homem desmerecedor, derrotado e abatido como se sentira antes. Pelas mãos do destino ou do divino ele havia agora uma nova chance de mostrar que era um sobrevivente da tragédia e agora um novo homem. Ele desceu no país europeu se fixou no país graças a sua nova identidade e cresceu como um oficial estrangeiro no exército imperial britânico.

Davi Freitas – 29/11/2022

Kaynne
Enviado por Kaynne em 29/11/2022
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