OS CARTÕES DE NATAL.

-"Hoje é quatro de dezembro." A esposa, com o filho no colo, olhou para o marido na rede. -"Eu sei, Neusa." Ela foi incisiva. -"Logo é natal, Tião. Não podemos esquecer de nossa gente." O homem saiu da rede e olhou pra folhinha na parede. Quatro de dezembro de 1986. O dedo indicador em cima da data no calendário. -"Eu tinha me esquecido, mulher. Tá na época de enviar os cartões de natal. Os correios ficam atolados de carta nessa época." A mulher chamou o filho que brincavam no quintal. -"Maurício! Venha ajudar seu pai." O adolescente veio até a mãe. -"Lave as mãos. Ajude seu pai a fazer a lista dos nossos parentes e amigos que receberão os cartões de natal." Logo depois, Maurício sentou-se. O caderno de escola aberto na mesa. O lápis a postos. -"Primeiro, os meus irmãos que moram aqui. A tia Jeneci, o tio Osmar. Os vizinhos da rua." Neusa citou os nomes de seus familiares e amigos da igreja. Maurício virou a folha. -"A turma de Minas. A tia Zulmira, os primos. O Ernesto se casou em abril. A prima Poliana, de Franca." Disse a mulher, com a mão no ombro do filho. -"Vai mandar cada um pelo correio, pai?" Sebastião estava aéreo, forçando a memória. -"Puxa. A nossa antiga vizinha, a Das Dores. Está morando em Jales. Ela ajudou a gente." A esposa concordou. -"Das Dores foi mais que vizinha, foi um anjo pra gente, Tião. Quero que escolha um cartão musical pra ela. Bem bonito." Sebastião olhou para o filho. -"Maurício, vamos mandar pelo correio, sim. Quero que escreva cada um dos cartões. Vamos ao centro da cidade pra você me ajudar a comprar os cartões." Pouco tempo depois, Sebastião e Maurício esperavam o ônibus. -"Ainda bem que recebi a primeira parcela do décimo terceiro, filho. Vamos comprar um pisca pisca pra enfeitar nossa casa." Maurício sorriu. Meia hora de viagem até o centro da cidade. O ônibus lotado. O calçadão do centro da cidade lotado também. As pessoas saindo com sacolas e presentes das lojas. O comércio bombando. As decorações natalinas. As músicas religiosas. Algumas lojas com papais noéis nas portas. As vendedoras com gorros vermelhos. Os olhos de Maurício brilharam ao ver as barraquinhas que vendiam cartões natalinos. -"Nas papelarias também vendem cartões mas nas barraquinhas são mais baratos." Sebastião e Maurício olhavam os preços. Vinte cartões por cinco reais. Trinta cartões pequenos por sete reais. -"Pela lista, precisamos de quarenta cartões, filho. Vamos levar uns a mais." Eles escolheram os cartões. Pai e filho deram uma volta na praça. Uma parada para um sorvete. -"Vou lhe revelar um segredo, filho. Quero comprar um tal de panetone, que vi na mercearia, perto da firma. Eu nunca comi isso mas escutei sua mãe falar do tal panetone com a prima Milu. Acho que ela tem vontade de comer panetone. Vamos dar de presente a sua mãe, na semana do natal." Maurício ficou empolgado. -"Que legal, pai. A mãe merece." Sebastião abraçou o filho. -"É caro que só a peste mas, pelo desenho da caixa, deve ser coisa boa." Eles compraram um pisca pisca numa loja de produtos natalinos. A noite, após o jantar, Sebastião abriu a agenda. Maurício escreveu as mensagens nos cartões. -"Eu num tenho estudo, filho. Escreve que a gente deseja um feliz natal e um próspero ano novo. Tá bão demais. Ah, escreve que mandamos abraços e estamos com saudades." Maurício bocejou. Neusa trouxe água para o filho. -"Só mais dois cartões, Maurício. Amanhã terminamos. São quase dez horas da noite." Tempo depois, Sebastião desligou o pisca pisca. Maurício dormia. Sebastião e Neusa em frente ao presépio montado sobre a máquina de costura. A manjedoura vazia no centro. As imagens de Maria e José. Os anjos. Os animais do presépio. A árvore pequena com bolinhas coloridas. Pó de serra e pedras. -"Decidi não mandar esse cartão musical pra comadre." Neusa abriu o cartão e a canção Gingle Bells tocou. -"Vou dar ao Maurício. Esse menino é nosso tesouro. Escrevi te amamos. Papai e mamãe." Sebastião assinou o cartão. -"Acho que ele vai gostar da surpresa, meu bem. Gosto muito de Maurício." Sebastião enxugou as lágrimas. Maurício acordou. O cartão, que estava debaixo do travesseiro, caiu. O garoto abriu o cartão. Abriu um sorriso. Trinta e seis anos depois, Maurício e sua esposa montavam a árvore de natal. Uma caixa empoeirada com enfeites natalinos. -"Achei um cartão de natal, Maurício. Olha, é musical mas não toca." Maurício veio até a sala. Há tempos não via aquele cartão, que julgava perdido. A assinatura do pai, um garrancho. Os corações desenhados pela mãe. -"Nesse tempo de internet e celular, ninguém manda mais isso. Meu pai enviava dezenas e recebia três. Todo ano ele fazia isso. Não esquecia de ninguém." Disse a esposa, sorrindo. Maurício concordou, paralisado com o cartão nas mãos. Sarah abraçou Maurício. -"Eles se foram perto do natal. Nessa época tenho mais saudades." A porta se abriu. Antony, de doze anos, entrou com os primos Alberto e Renata. Antony notou que Maurício estava emocionado. Antony falava do filme com a mãe. A noite, a sós, Maurício disse a esposa. -"Vou escolher um belo cartão de natal pra darmos de presente ao Antony. É uma coisa singela." A mulher concordou. -"Vamos escrever que o amamos. Que ele guarde esse cartão com carinho e lembre de nós, sempre." Maurício sorriu. -"Certamente. Pra vida toda." A tradição de enviar cartões de natal surgiu no século XIX, na Inglaterra. O diretor do Museu Britânico de Londres, Sir Henry Cole, sem tempo pra enviar cartas de boas festas aos familiares e amigos, pediu ao artista plástico e amigo, John Callcotte Horsley, que fizesse um desenho com dizeres de FELIZ NATAL E ÓTIMO ANO NOVO PRA VOCÊ. John caprichou e desenhou uma família feliz ao redor de uma mesa farta. Do outro lado, desenhou pessoas fazendo caridade a crianças carentes. O diretor gostou tanto que mandou fazer cem cópias dos cartões, enviando-os a familiares e amigos. Assim, a tradição começou. FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 03/12/2022
Reeditado em 03/12/2022
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