O MELHOR PRESENTE DE NATAL.

Nem bem o sol deu seu adeus em Paraisópolis e os dois meninos atravessaram a avenida movimentada. Eles andaram por meia hora até o bairro Caraíbas. -"Queria ver o trem de ferro." Maicon escorou na barra de ferro da plataforma, sobre a linha férrea. O garoto de cabelo grande e de chinelo com prego, o shorts grande demais pra ele e a camiseta da escola sorriu. -"Um dia quero entrar no Mac. Eu, você e o pai." As luzes da cidade. As luzes de natal. Kauê apontou o luminoso do shopping. -"Vamos, mano. Temos que pegar as latinhas pro pai vender." Disse o irmão de treze anos. Eles desceram a passarela e rumaram para o centro comercial. As ruas de paralelepípedos. As lojas. A muvuca e o vai e vem de clientes. A decoração natalina. Maicon e Kauê observaram, por um breve momento, as crianças tirando fotos com o papai Noel. As pessoas com sacolas de presentes. As músicas natalinas. As barraquinhas de lanche. -"Aí, maluco. Aqui é nossa área." Kauê encarou o garoto sardento. A turma de seis garotos de rua. Maicon sentiu o puxão na sacola pra recolher latinhas. Kauê armou o murro, pronto a defender o irmão. -"Vai com calma, Jucilei. Eles não são daqui. Não vamos brigar no natal." O sardento obedeceu o conselho do primo. -"Vão pegar latinhas em outro lugar." Ordenou o sardento, com cara de poucos amigos. Kauê puxou o irmão. -"Estamos indo embora." Os irmãos rumaram para o shopping. Uma pequena caminhada. O estacionamento lotado. Eles esperaram no matagal, ao lado da cancela de entrada. Um grupo de pessoas se aproximou. Os irmãos se misturaram às pessoas e entraram s chamar a atenção dos guardas. -"Não vamos entrar, Maicon. Temos que olhar as lixeiras lá atrás." O mais novo fez aquele olhar cativante do Gato de Botas. -"Só um pouco. Diz que sim. O natal é tão bonito. Esse ano tem pista de patinação." Kauê consentiu. Ele nunca tinha visto uma pista de patinação. -"Vamos então, meu irmão. Só um pouquinho." Eles entraram. Os corredores enormes. A decoração natalina. A árvore de doze metros no centro da praça de alimentação. Os cinemas. Os garotos de olhos vidrados ao verem as crianças, com os pais na fila da lanchonete, com sacos enormes de pipoca. -"Uau. Quero vir aqui um dia, Kauê." Uma menina deu um encontrão em Maicon. Os pais da menina a puxaram pelo braço. A mulher olhou as roupas deles. -"Não deviam permitir que imundos frequentassem aqui. Vamos, Stefany." Kauê puxou Maicon. -"Vamos embora." Kauê queria ficar. Estava gostando do ar condicionado. -"O que é imundo?" Sebastião abriu o barraco. O recado de Kauê em cima da mesa. -"Pai, fomos ao shopping pegar latinhas. Te amo." Ele ficou preocupado. -"Já avisei pra não irem a noite. Certamente, querem ganhar uns trocados pra me darem um presente de natal. Esses garotos." As batidas na porta. Ele abriu e viu a figura da ex esposa. -"Olá, imprestável. Vim buscar as crianças pra passarem o natal comigo. Maicon? Kauê?" Ela gritou. Sebastião entregou o bilhete a ela. -"Foram recolher material. Devem estar chegando." Ele olhou para o carro vermelho. -"Está de namorado novo?! As crianças decidirão se querem ir com você, Gisele. Há meses não as procura. A mulher se calou. No shopping , Kauê ouviu um estouro. -"Eita. É tiro." Ele já tinha ouvido barulho de tiros na escola. Uma correria desenfreada de pessoas. Gritaria. Os seguranças correndo. -"A relojoaria. Estão assaltando a relojoaria. " Gritou um dos seguranças. Kauê pegou a mão do irmão. As vendedoras de uma loja de roupas saíram em disparada pelos corredores, na direção da saída. Uma delas atropelou Maicon. Kauê viu um dos assaltantes vindo em sua direção. Ele procurou pelo irmão. Kauê correu para a porta de saída com a multidão. -"Maicon?!" Gritou. Nenhuma resposta. Mais tiros. Maicon estava sozinho no estacionamento. As pessoas sentadas no chão. As notícias chegando. -"Roubaram a relojoaria. Mataram o gerente." Dizia um. -"Mataram duas vendedoras e dois clientes." Diziam outros. As viaturas chegando ao shopping. Kauê queria entrar mas os seguranças o impediram. -"Meu irmão está aí dentro." Ele chorava e soluçava. As mãos tremiam. Kauê deu a volta no shopping, procurando em vão o irmão. O garoto procurou os policiais. -"Meu irmão desapareceu." O policial colocou a mão no ombro dele. -"Vai pra casa!" Kauê estava desesperado. Ninguém o ajudava. Seu desespero não comovia ninguém. A vida de seu irmão não era importante pra ninguém, a não ser pra ele e sua família. -"Cadê o espírito de natal. Não acredito no natal." Disse com raiva, tomando o rumo de casa. A chuva caiu. Quase uma hora depois, Kauê chegou em casa. Sebastião cochilando, debruçado na mesa. -"Pai!" Sebastião despertou. -"Cadê o Maicon?!" Abraçou Kauê com força. O menino chorava. -"Ficou no shopping. Teve um assalto, tiros... e as pessoas correndo, nos empurrando. Maicon se perdeu." Sebastião quase arrancou os cabelos. -"Meu Deus. Temos que ir procurar seu irmão." O garoto concordou. -"Pedi ajuda a polícia,vamos seguranças. Ninguém ajuda quem é pobre, pai." Sebastião sentiu uma tristeza na alma ao ouvir isso de seu filho, antes tão crédulo e positivo. -"Deus ajuda, filho. Ele veio ao mundo pra nós, os pobres. Os marginalizados e esquecidos." A porta se abriu. -"Kauê." O garoto correu para os braços da mãe. -"Onde está o Maicon?" Sebastião se adiantou e respondeu. -"Está no shopping. Teve um assalto e Kauê se separou dele. Temos que ir." Gisele se preocupou. -"Vamos no carro do Hélio. Temos que chegar rápido." Um vizinho de Sebastião veio até ele. -"Soube não, Bastião?! Gente daqui foi assaltar o shopping, na semana do natal. A polícia matou os seis bandidos. Os caras mataram o gerente da relojoaria e mais três pessoas, entre eles um garoto de oito anos." Gisele ouviu. -"Meu Deus. Mataram o Maicon!" A visão dela se turvou e Gisele desmaiou no banco detrás do veículo. Sebastião cuidava da ex enquanto Hélio rumava para o shopping. -"Gisele voltou a si. Deus vai cuidar do Maicon." Disse Sebastião. Kauê estava apreensivo. Em pouco tempo, eles estavam no shopping. Sebastião, Gisele, Helio e Kauê entraram. Quietos e apavorados. A relojoaria com a porta de vidro quebrada, estava isolada com fitas de segurança. A polícia na área da relojoaria. Sebastião e Hélio conversaram com os policiais. -"Terão que fazer um boletim. As vítimas não foram identificadas." Gisele se emocionou. -"Entre as vítimas há crianças?!" O policial se sensibilizou. -"Há sim, infelizmente. Se tiver alguma notícia, entrarei em contato com vocês." Kauê e Sebastião andaram por todo o shopping, procurando por Maicon. Gisele e Hélio percorreram todos os comércios e ruas perto do shopping Todo esforço em vão, a procura de Maicon. Eram quase três horas da madrugada quando eles saíram da delegacia. -"Poderão ir ao IML amanhã, as duas horas da tarde. Eis a cópia do boletim." Disse o delegado a Sebastião. Kauê dormia no banco detrás do carro. O noticiário da tevê. Os jornais. A comunidade falando do assalto. Os vizinhos preocupados com o sumiço de Maicon. -"Podemos esperar pelo pior. Maicon morreu no assalto." Disse Sebastião, visivelmente abatido, a Gisele. -Hélio engoliu em seco. -"Vamos ao IML. É difícil mas não há o que fazer." Kauê ficou na casa de sua vizinha, Aparecida. Os policiais os conduziram a sala do Instituto Médico Legal. As geladeiras. As macas. Um clima pesado e triste no ar. Gisele quase desmaiou ao ver o corpo de criança sob o lençol branco, assim que o funcionário puxou a gaveta. -"Respirem fundo. Olhem atentamente cada detalhe." Sebastião buscou forças e orou. Gisele apertava a mão de Hélio, nervosa. O cadáver sem o lençol. -"Maicon não é loiro. Esse é gordinho." Sebastião abraçou Gisele e Hélio. -"Maicon está vivo. Desaparecido mas vivo." Vibrou Gisele, já fora do IML. Gisele e Hélio se despediram de Sebastião e Kauê. O garoto quis ficar com seu pai, a fim de procurar por Maicon. -"Aonde estava com a cabeça, filho. Shopping é movimentado, perigoso de noite." O garoto olhou ternamente para seu pai. -"O senhor faz tanto por nós. Merecia um presente, oras. A gente ia vender latinhas pra comprar um panetone pro senhor." Sebastião abraçou o filho. -"Não há melhor presente que vocês comigo. Vamos encontrar o Maicon. Com panetone, sem panetone, nosso natal será feliz se tiver amor. O amor tudo supera." Sebastião e Kauê foram até o shopping, na manhã do outro dia. Perguntaram por Maicon, nas ruas e lojas no entorno do shopping. O sol quente. Pai e filho andando juntos. -"Gisele e Hélio apareceram ao meio dia. A mulher tinha dezenas de cópias da foto de Maicon. Eles andaram pelo entorno do shopping, agora com o cartaz de desaparecido com a foto do garoto. De novo, Sebastião e Kauê percorreram ruas e comércios. As praças. Alguns moradores de rua se dispuseram a ajudar. -"Vamos procurar o garoto. O endereço está no cartaz?! Deus vai devolver o Maicon a vocês." Disse um rapaz a Sebastião. -"Amém. Creio nisso." A noite caiu. A viatura policial estacionou em frente a casa de Sebastião. Ele saiu com o o filho. Os policiais sorriram. -"Sebastião? Acharam seu filho. Ele está bem." Sebastião caiu de joelhos. -"Sério?! Deus seja louvado. Aonde?!" Kauê abriu um largo sorriso. -"Tenho que ligar pra Gisele." Disse Sebastião, eufórico. -"Alguns moradores de rua procuraram seu filho por toda a cidade, foram aos hospitais com a foto dele. Acharam ele e foram até a nossa delegacia. Eles encontraram um garoto parecido com seu filho, no hospital do outro lado da cidade." Tempo depois, Sebastião e Kauê chegaram ao hospital. O homem desceu da viatura e correu. Kauê tentava alcançar o pai. -"Calma, homem. Temos que pedir autorização pra entrar no hospital. Não é hora de visitas mas poderá entrar conosco por um breve momento." Sebastião estava alegre. Gisele e Helio chegaram ao hospital. Eles entraram para ver o garoto, acompanhados da assistente social e dos policiais. Maicon estava dormindo, tomando soro. -"Ele está bem. Terá alta assim que os exames ficarem prontos. Uma gerente do shopping o trouxe." Disse a assistente social. O médico veio até o quarto. Ele conversou com Sebastião e Gisele. -"Maicon teve uma pancada na cabeça, nada grave. Ficou desacordado, no corredor do shopping. Ainda bem que sua família o reencontrou. Ele será liberado em breve." Sebastião e Gisele estavam aliviados. Mais tarde, Maicon abriu os olhos e viu os pais ao seu lado. -"Pai. Mãe. Que bom ver vocês aqui." Eles se abraçaram. Gisele chorava. Sebastião agradecia aos céus. Na manhã seguinte, com os exames prontos e sem gravidade nenhuma, Maicon teve alta. -"Sofia é a gerente do shopping, que trouxe o filho de vocês, me deu o cartão dela. Ela passou a noite com Maicon. Além disso, pagou as despesas e os exames. Acho que esse cartão deve estar com vocês." A assistente social deu o cartão a Gisele. -"Certamente. Queremos conhecer esse anjo que cuidou de nosso filho." No estacionamento, Sebastião foi até Helio e o cumprimentou. -"Obrigado por ter ficado com Kauê. Espero que sejamos bons amigos." Hélio apertou a mão de Sebastião. -"Com certeza, Sebastião. Kauê é muito inteligente e gosto muito dele. Também quero ser seu amigo pois Gisele sempre fala bem de você, que é um bom pai." Sebastião cuidou bem de Maicon. Ficou contando histórias até o garoto dormir. Dias depois, Gisele e Hélio visitaram Maicon. -"Que acham de irmos ao shopping, meninos? Hélio quer levar as crianças ao McDonalds." Kauê e Maicon se abraçaram. -"Hélio parece ler pensamentos! Nosso sonho era ir no Mac." Kauê, muito feliz, abraçou Hélio. Sebastião, Gisele, Hélio, Kauê e Maicon passeavam no shopping. Sebastião de olho em Maicon, atento a reação do menino. -"Relaxa, pai. O Maicon não lembra de nada. Criança esquece fácil." Sebastião riu. Eles pararam em frente a loja de Sofia. Hélio entrou e pediu a uma vendedora pra falar com Sofia. Uns cinco minutos depois, a moça veio até eles. A família viu a vendedora apontando pra eles, na entrada da loja. Ela não aguentou e chorou ao ver Maicon. Ela agachou e abriu os braços. -"Vai lá, Maicon. É o anjo que te ajudou." O garoto olhou para a mãe e sorriu. Maicon abraçou Sofia. As vendedoras da loja, sabedorias do gesto de Sofia, aplaudiram a cena. Sofia ganhou abraços de Gisele, Sebastião, Kauê e Hélio. -"Muito obrigada, Sofia. Só Deus pra lhe recompensar." Agradeceu Gisele. -"Agora que descobri que o nome dele é Maicon. Graças a Deus, ele está bem. Fiquei preocupada. Se permitirem, queria conhecer a casa dele e estar perto dele." Maicon estava abraçado a Sofia. -"Com certeza. Será um prazer, dona Sofia. Vamos lhe dar nosso telefone e endereço. Nossa casa é sua casa." A moça sorriu. As vendedoras vieram conhecer Maicon. Sofia estava radiante. No dia seguinte, Sebastião e Gisele conversavam. -"Acha mesmo que aquela moça chique virá aqui, nesse subúrbio, no fim do mundo?! Vai visitar o Maicon algumas vezes e desaparecer." Sebastião coçou o queixo. -"Não sei. Pode até ser mas vi sinceridade nela. Devemos a ela a ajuda ao nosso menino. Devemos aos moradores de rua, lá da pracinha, a procura por Maicon. Devemos tanto a tantas pessoas que só podemos dizer: Deus lhe pague." Horas depois, Sebastião ouviu um buzinaço e músicas natalinas. Uma dezena de carros invadiram o bairro. Sofia estava vestida de mamãe Noel, na traseira de uma caminhonete. As vendedoras da loja de Sofia, com gorros de papai Noel. Kauê e Maicon saíram pra ver. Em minutos, uma centena de crianças estava em volta dos carros com brinquedos e presentes. As crianças ganharam sacolinhas com doces. As mães com crianças de colo, ávidas por doces e brinquedos. -"O que é isso?! Nunca tivemos isso aqui. A dona Sofia é a mãe Noel. Ela veio mesmo." Sebastião estava feliz. Sofia, abraçada a Maicon, quis conhecer a casa do garoto. O barraco ficou pequeno pra tanta gente. Sofia entregou brinquedos especiais aos filhos de Sebastião. Maicon ganhou roupas, uma bola e uma camiseta da seleção brasileira. Kauê ganhou um vídeo game. -"Um vídeo game?! Puxa, muito obrigado." O garoto chorou de felicidade. Sofia procurou pela tevê. -"Vai ter que esperar pra instalar pois não temos televisão." Disse Sebastião, com vergonha. Helder, patrão de Sofia, engoliu em seco ao ver a situação daquela família. -"A gente não tem quase nada mas temos o papai. Quando ele tiver um emprego, poderá comprar uma tevê." Disse Maicon, abraçando o pai. Kauê trouxe seus cadernos pra Sofia ver. -"Que letra linda, Kauê. Mais bonita que a minha." Maicon também trouxe seus cadernos e sete livros. -"A gente acha livros no lixo e traz pra casa. Alguém jogou esse, O Diário de Um Banana. É meu preferido." Disse Kauê, orgulhoso. Sofia e seus amigos se despediram. A caravana natalina foi embora. -"O papai não ganhou presente!" Disse Maicon, antes do jantar. -"Meu presente não tem preço. Eu já ganhei meu presente especial, que são vocês dois comigo, sabiam? Eu queria dar um presente de natal para aquele grupo de moradores de rua mas não posso. Queria levar um pouco de comida pra eles." Os garotos abraçaram o pai. -"Quem sabe algum dia o senhor faça isso. Podemos rezar pra alguém, que tenha muito dinheiro e boa vontade, fazer isso pra eles." Disse Kauê, emocionado. -"Você é muito inteligente, Kauê. Um garoto muito especial." Na manhã seguinte, Sebastião ajeitava o carrinho de reciclagem quando viu um carro se aproximar. Sofia desceu. -"Bom dia, senhor Sebastião." Kauê e Maicon dormiam. -"Bom dia, dona Sofia." A moça estava procurando as palavras. -"Eu queria saber se o senhor tem estudo. Sabe ler e escrever?" Sebastião respondeu que sim. Tinha estudado até a sétima série. -"Experiência profissional?! O senhor tem profissão?!" Sebastião abaixou a cabeça. -"Bom, era tecelão. Fiz Senai um tempo mas machuquei. Não tive respaldo e o tive o benefício cortado. Estou há oito anos parado, não consigo nada." Sofia entendeu. -"Temos uma vaga de vigilante. É na loja da avenida do estado, não no shopping. Se quiser, é sua." Sebastião ficou feliz. -"Eu quero sim. É tudo pra mim. Muito obrigado. A senhora cuidou do Maicon, fez a festa de natal e deu presente pra garotada. Isso é muito bom. Só Deus pra retribuir." Sofia sorriu. -"Tem mais. Bem, eu moro sozinha, não tenho irmãos. Não quero invadir a vida de vocês, aqui é bom. Dá pra ver que seus filhos tem o principal, que é seu carinho e amor. Tenho uma casinha, de fundos, onde minha mãe tinha uma pequena confecção. Ela trabalhava alí e reunia amigas pra fazer artesanato. A casa de fundos está vazia." Sebastião balançava a cabeça, prestando atenção. -"Certo. Seus pais se mudaram?" Sofia olhou para os céus. -"Sim. Mudaram para o céu. Eles se foram num acidente de carro, há quatro meses." Sebastião a abraçou. -"Eu pensei. Bem, se quiserem. Poderiam se mudar para a casa dos fundos. Não precisa pagar aluguel, só a luz e a água. Eu ficaria feliz se aceitassem." Sebastião estava confuso e surpreso ao mesmo tempo. -"Olha, é uma oferta divina, algo maravilhoso mas não posso aceitar. A senhora já fez muito por nós. Vai parecer que estamos abusando, aproveitando da bondade da senhora." Sofia corou. -"Não me chame de senhora. Temos quase a mesma idade." Sebastião se desculpou. -"Não queria ofender. Me perdoe. Tenho trinta e nove." Sofia arregalou os olhos. Tinha quarenta e oito primaveras e jurava que Sebastião era mais velho que ela. -"Eu quero ficar perto dos garotos. Poderão ir a uma escola melhor e mais perto. Ter o quartinho deles." Sebastião sorriu. -"Assim é mesmo. Eles iam ficar felizes com isso. Vão ficar quando souberem que o pai deles está empregado. A senhora, quer dizer, você salvou o Maicon. Nunca me esquecerei disso." Sofia estendeu os braços. Sebastião notou as cicatrizes nos pulsos. -"Eu também nunca me esquecerei de Maicon. Naquele dia, eu estava decidida a me encontrar com meus pais. Minha vida não tinha sentido, não tinha meu chão, sem meus pais nada tinha valor. O trabalho me fazia esquecer, ter uma ocupação me distraía. Sem sucesso, cortei os pulsos algumas vezes. Na loja, todos sabiam. Tentavam me ajudar mas sabiam que, a qualquer hora eu me mataria. Passar a noite cuidando do Maicon, naquele hospital, me trouxe de volta. Por favor, eu quero ficar perto dele pois foi ele quem me salvou." Sebastião a abraçou. -"A senhora. Você... me promete que não vai fazer isso de novo? Não vai tentar..." Sofia não deixou que ele terminasse a frase. -"Eu não vou. Prometo." Sebastião enxugou as lágrimas. -"Está bem. A gente se muda, então. Esse natal está vindo carregado de bênçãos e boas surpresas." -"Que bom. Eu nunca fui fã de natal, essas coisas. Fazer decoração, árvore, presépio. Primeira vez que me vesti de mamãe Noel e distribui presentes, sabia? Fiz por Maicon e Kauê, pelas crianças e me senti muito bem.

Meu coração ficou feliz. As meninas da loja também adoraram." Sebastião sorriu. -"Quando o coração está feliz, tudo está bem, dona Sofia. Seus pais, onde estiverem e devem com Deus, estão bem. Cumpriram a missão deles e criaram uma filha maravilhosa. Se partisse também, muitos que a amam, sofreriam. Essas crianças não teriam esse natal, a festa que não sairá da cabeça delas. O sentimento de sentir -se valorizados com a presença de vocês, o carinho que receberam. Isso é maravilhoso. Você pode ver o sorriso e o brilho nos olhos delas, nas mães. Pode ser uma bola de plástico, um pirulito, um panetone mas é o carinho e o amor que conta." Sofia se comoveu. Sebastião estendeu a mão. -"Muito obrigado mesmo. Podemos mudar hoje mesmo. Tenho um amigo que tem uma perua velha. Me passa o endereço, por favor." Sofia se surpreendeu. -"Hoje mesmo?! Assim, rapidinho?!" -"As crianças vão querer, certamente. Será uma surpresa pra elas. Não vou falar nada. Temos uma cama só, uma mesa velha, um fogão caindo aos pedaços. Não repare na beleza da mudança." Sebastião deu uma gargalhada, mostrando falhas na dentição. Sofia riu e concordou. -"Está bem, então. Hoje vou tirar uma folga. Ficarei esperando, o senhor e as crianças. Puxa, estou muito feliz." Sebastião apontou pra ela. -"Isso aí. Se a senhora, quer dizer, se você está feliz é o que importa." Sebastião não cabia em si, de felicidade. Os filhos acordaram. Horas depois, Sebastião deu a notícia da mudança a eles. -"Não sei que bairro é, meninos. Uma casa boa, até. Dona Sofia me arrumou emprego e vamos nos mudar. Graças a Deus, terão um quartinho só de vocês." Kauê e Maicon correram pra abraçar o pai. Sebastião e os filhos foram até a casa do vizinho. -"Fique com o barraco, Paulinho. Não é grande coisa mas poderá ser útil. Fique com o carrinho e o material, não preciso mais. Será um ganho a mais pra sua família." Sebastião e Paulinho se cumprimentaram. Os vizinhos ajudaram Sebastião a colocar suas coisas na Kombi. Ele e os filhos se despediram. Sebastião deu o papel com endereço de Sofia ao motorista. -"Bairro de classe média, Tião. É na Santa Lúcia, só tem casarão lá." Disse Ernesto, o motorista. Tempo depois, a Kombi chegava ao endereço de Sofia. A moça veio ao portão. Kauê e Maicon a reconheceram. -"Vamos morar aqui? Na casa da tia Sofia?!" Maicon estava eufórico. -"Não posso ajudar, infelizmente. A casa é de vocês." Um portão lateral dava para a casa nos fundos. Um corredor com azulejos. Uma casa com varanda, bem cuidada e limpa. Sebastião notou que a casa da frente era muito grande e bonita. -"Aqui é tudo bonito. Gostei muito." Em pouco tempo, a mudança de Sebastião estava na casa nova. -"Dá até vergonha de colocar essas velharias nessa casa linda. A senhora me desculpa." Sofia colocou a mão no ombro dele. -"Aqui suas chaves. São suas coisas, serviram até agora. Não precisa ter vergonha." Sebastião sorriu. -"Tem razão. Com o tempo a gente muda e melhora. Aqui não tem goteira e não passaremos frio no inverno." Sofia e Maicon não se desgrudavam. -"Hoje serão meus convidados para o jantar. Vão poder conhecer minha casa." Sebastião estava feliz. -"Agradecemos e aceitamos o seu convite. Não faça nada especial pois não sabemos comer com garfo e faca." Sofia deixou-os. Sebastião se alegrou com o chuveiro no banheiro. -"Casa muito boa. Poderia ser alugada por dois mil, fácil. Portas nos quartos, pia de granito na cozinha, porcelanato, varanda. Corredor grande." Kauê se animou. -"Da pra jogar bola no corredor, pai." A noite, Sebastião deu banho nos filhos. Eles vestiram a melhor roupa deles. -"Se comportem. Nada de ficar pedindo coisas, certo?! Sejam atenciosos e carinhosos com a adona Sofia." Kauê tocou a campainha. Sofia abriu o portão eletrônico. Sebastião e os filhos entraram. Sebastião abriu a boca, admirado. -"Fiquem a vontade. Das Dores está terminando o jantar. O senhor toma alguma coisa?! Vinho, cerveja?" Sebastião recusou. -"Obrigado. Deixei o vício, dona Sofia. Gisele me deixou por isso." Kauê afundou no sofá grande e macio. Toda a mobília era suntuosa e elegante. Sofia mostrou a casa a eles. Tinha adega, segundo piso, mezanino, biblioteca, salas de estar e jantar, edícula e piscina com cascata. Na mesa, Sofia ria. -"Qual o nome disso. Estraga o que?!" Sebastião elogiou os dotes culinários da cozinheira. Kauê e Maicon nunca tinham comido estrogonofe. No dia seguinte, Sofia levou Sebastião no seu novo emprego. Ela o orientou sobre tudo. Cuidou da documentação, uniformes, etc. Sebastião estava feliz. Ele e Sofia conversavam muito. Sebastião tirava dúvidas e ouvia sempre os conselhos dela. Dias depois, Gisele e Hélio visitaram Sebastião. Sofia estava no trabalho. Kauê e Maicon mostraram a casa a mãe deles. -"Não é muita coisa? Muita esmola o santo desconfia. Essa moça rica, sozinha fazendo tudo isso? Arruma emprego para o Tião e deu a casinha de graça, sem cobrar aluguel?" Disse Gisele, depois. Hélio, dirigindo de volta pra casa, a repreendeu. -"Ela é órfã. É boa pessoa, Gi. Viu que Sebastião e os meninos são felizes, carinhosos mesmo com pouco. As crianças gostam muito dela. De fato, é uma casa excelente. Sebastião trabalhando já é uma bênção, você mesmo disse isso." Gisele se calou. -"Podemos comprar camas novas para o Maicon e o Kauê. Um fogão não muito caro iria ajudar o Bastião. Aquele guarda roupas que não usamos, poderia servir pra eles." Hélio sorriu. -"Assim que se fala. É raro gente que se alegra com o sucesso dos outros. Vem chegando o natal. Certeza que Sebastião e as crianças estão felizes. A dona Sofia também deve estar. Eu estou feliz pois as crianças, seus filhos passaram a me ver com outros olhos, me cumprimentam até. Sebastião me cumprimenta, fala comigo Aquele barraco me partia o coração." Eles deram as mãos. -"Tem razão. Kauê sempre quis uma casa com pisca pisca de natal. Acho que você deveria dar um a ele, que acha?!" Hélio concordou. -"Vou comprar um bem bonito. Pode deixar." Gisele e Hélio chegaram de surpresa, trazendo o fogão novo, o guarda roupas e as camas pra casa de Sebastião. Kauê abraçou forte e quase sufocou Helio, tamanha felicidade ao ganhar o pisca pisca. Hélio foi até o carro. Ele trouxe uma tevê. -"É usada mas acho que vai servir." Sebastião agradeceu. -"Se tivesse cerveja na geladeira, você merecia uma latinha, campeão. Valeu, Hélio." Na manhã seguinte, Sofia saía com o carro quando viu Sebastião, chegando do trabalho. -"Bom dia, Sebastião. Bom descanso." Ele se aproximou do carro. -"Bom dia, dona Sofia. Vem chuva aí." Ele estendeu a mão para cumprimentá-la. Ela reparou bem. Sebastião tinha cortado e pintado o cabelo, feito um corte moderno. O rosto estava liso, sem a barba com pêlos brancos e realçando seus olhos verdes. O uniforme dava-lhe um ar imponente. Parecia outra pessoa. -"Não se preocupe com o natal, já pedi os assados na padaria do bairro. Quero que passem comigo, certo?" Sebastião sorriu. -"Certo. Só Deus para recompensar tanto carinho que a senhora dedica aos meus filhos. Esse natal está sendo dos sonhos e graças a senhora." Ela o corrigiu. -"Você. Por favor. Se quiser, deixe as crianças irem na piscina, pra que possa descansar melhor. Das Dores cuidará delas. Bom descanso." Ele acenou. -"Certo. Eles vão gostar." Na véspera de natal, Sofia recebeu alguns familiares e amigos. Sebastião e os filhos foram apresentados a todos. -"Amanhã seremos só nós. Um almoço simples. Nunca quis extravagâncias e vozerio. Quero descansar a mente." Disse Sofia a Sebastião. -"A mesa está linda. Essas rabanadas, tanta comida gostosa. É uma bênção." Kauê e Maicon ganharam gorros vermelhos. Sofia tirou fotos com eles, em frente a grande árvore de natal. -"Obrigado, meu jovem. O que você e seus filhos têm feito de bem a Sofia não tem preço. É outra mulher, até a pele dela melhorou." Disse a tia de Sofia a Sebastião. -"Olha, a gente passava aqui pra desejar feliz natal e vazava. Sofia era chata, intragável até. Por isso, nunca se casou. Ela nunca foi de usar brincos e vestidos. Olha lá, tá até parecendo a dama de vermelho.

Há tempos não tinha um natal de verdade aqui." Disse Fábio, um primo da moça. -"Na verdade, a senhora Sofia mudou nossas vidas. Pra melhor. Ela é uma pessoa maravilhosa." Sebastião olhou para Sofia. Ela estava linda no vestido vermelho. O cabelo sempre preso, estava solto e ondulado. Sofia surpreendeu e deu um presente a cada um. Kauê e Maicon ganharam tênis caros e pijamas. Sebastião ganhou um perfume importado. A área da piscina estava linda, toda iluminada. Após a meia noite, os convidados foram embora. Kauê e Maicon assistindo televisão com os filhos de Das Dores. Sebastião encontrou Sofia no quintal. -"Eu adorei o presente. Muito, muito obrigado. Esse natal está maravilhoso, uma bênção. Estou sendo repetitivo mas é que só tenho a agradecer." Sofia corou. Eles se olharam. Sebastião pôs as mãos para trás. -"Eu tenho um presente pra senhora. Pra você." Ela sorriu. -"Que bom. Alguém lembrou de mim." -"É surpresa. Terá de fechar os olhos." Ela teve medo. -"Não vai jogar na piscina!" Sebastião a beijou. Sofia abriu os olhos. -"Seu presente sou eu." Eles se abraçaram. FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 16/12/2022
Reeditado em 19/12/2022
Código do texto: T7673418
Classificação de conteúdo: seguro