Reembolso

[Um par de mãos abrindo as folhas de uma samambaia que fora pendurada nos galhos de uma goiabeira; e um rosto aparecendo por entre as folhas abertas, como quem ironiza: "eu sempre estive aqui!"]

"Maria, oi, Maria!", se notava o relaxo em que a voz soava. E como por um instinto desperto eu abominei aquela voz. Mas depois relaxei os ombros em sinal de desdém. Todas aquelas palavras eram as que eu queria ouvir, tirando as entrelinhas. Só que a voz vinha do mesmo sistema corrupto de quem só queria um sexo bruto. Falava, falava, e me tirava risadas irônicas. Por eu saber daquela índole, ter tido experiências com aquele tipo gozador, já sabia que por pena eu o ouviria — O mundo dá voltas, né, gatinho?! Acontece... —.

Veja, nunca fui mulher direita! Desde que conheci meu corpo e minha carne, venho tendo coisas a tratar comigo e com a sociedade. Tenho medo de andar na rua pelos mesmos motivos que as outras pessoas têm: os motivos que sempre serão banais aos olhos de terceiros. Desenvolvi, ao longo da vida, cerimônias e modelos de autodefesa que me competiam o caráter, e que julgavam, entre eles, quais seriam minhas formas mais ilustres em uma mesma ilusão. Que caos é lidar com um mundo de espelhos quando não se consegue lembrar onde estão as roupas da carne e o adorno do corpo.

"Pra que seja suportável viver neste tempo de amor inoportuno, eis o prazer das coisas da vida nos olhos de outro sexo imundo", o filho da puta era poeta.

Thiago Araújo Oliveira
Enviado por Thiago Araújo Oliveira em 18/12/2022
Reeditado em 03/12/2023
Código do texto: T7674603
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.