Catarina acordou eufórica com o sonho que teve: dormia numa cama luxuosa com sistema de relaxamento. Abriu as cortinas da casa, esperando que a vida lhe fosse generosa e o sol vingasse honroso o seu papel de clarear sonhos, mas chovia agressivamente e as ruas estavam tomadas pelas águas. Viu pessoas correndo inseguras e embarcando em carros aleatórios. Mas uma cena roubou-lhe o sossego: uma mulher que carregava a mãe (com limitações motoras) até a ambulância. Seu olhar abatido apagou toda a agitação do entorno e a transportou até o asilo onde trabalhou, voluntariamente, no Natal passado. Lembrou-se de Jesus Lima, homem de meia idade que foi “esquecido” no recinto, desde o Natal de 2000. Era agressivo e agitado, as doenças neurológicas o afastavam dos outros, a coordenadora a avisou logo que mantivesse distância para evitar aborrecimentos. Mas a menina que tinha alma atopetada de docilidade, foi-se, imediatamente, na mesma direção daquele que a maioria rejeitava. A expectativa de todos era tamanha, a ponto de num silêncio estarrecedor, a vida ser posta à margem. E como em um conto de fadas, Jesus, de forma espontânea e singela, abriu os braços para a garota e revelou com olhos marejados, a emoção de tê-la aguardado por tantos anos. A menina emocionada abraçou-o como quem fosse a pessoa que esperava, ofertou-lhe o sorriso que deseja receber dos que ama e respirou aliviada por ter sido talvez: a filha perdida do pai, a mãe do homem órfão, a cuidadora que dele cuidou. Ela recolheu a esperança perdida e devolveu-lhe um afeto. Era o que lhe faltava, ainda que aquela falta, jamais fosse preenchida. Lembrou-se de Jesus, na manjedoura, sem brilho e expectativas e, viu que pra renascer é preciso bem pouco, e numa lágrima arbitrária, sentiu-se engasgada: nem o Natal e nem as pessoas duram pra sempre.

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 20/12/2022
Reeditado em 21/12/2022
Código do texto: T7676203
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