NOS CLASSIFICADOS DOS JORNAIS DE ONTEM

"Oi padim!!! Bênção. Estou em estado crítico mas controlado. Fiz exame semana passada e é isso. Grave, mas, caso eu não soubesse da minha doença, estaria vivendo como outros milhões por aí sem saber de nada. O Ruim é que tenho consciência da doença que tenho. Isso é péssimo. Queria não saber e morrer de repente, do que saber que posso morrer de repente."

Olho a mensagem e caio na real. Não que ainda não tivesse me atentado para isso, mas agora, eu ganhei consciência, uma consciência madura do problema: estou morrendo. E aqui digo novamente, o problema não estar na morte ou no morrer em si por si mesmo. Está em saber que estar-se morrendo.

"Mas, para morrer bastar estar vivo", já dizia a minha vó, só que são situações diferentes você saber que pode morrer e saber que vai morrer. O pode faz toda diferença. É uma suposição. Este é um luxo que não tenho. Tenho uma certeza médica, exames, laudos atestando que estou morrendo.

"Então viva como se não houvesse amanhã!" Essa é uma daquelas frases mais fáceis de dizer do que fazer. E já te aconselho a não sair replicando isto, porque pior que essa só a: "Deus vai te curar!" "Deus escreve o certo por linhas tortas" ou "entregue tudo nas mãos de Deus". Ao invés de consolar, tais supostos consolos desconsolam e é capaz de tornar un crente em descrente ou ateu na mesma velocidade que Cristo transformou água em vinho. Não sabe o que dizer a um moribundo? Fique ao lado dele em silêncio, procure sentir a sua dor e sofrimento e chore se der vontade. Seja amigo.

Mas por que não envolver Deus na história? A resposta é simples. Eu sou filho de Deus. Você é filho de Deus. E um bebê no ventre também é filho de Deus, tomo no sentido genérico não venha com história de que o feto não é filho porque não foi batizado ainda. Vamos tomar no sentido geral!

Se somos todos filhos de Deus, e que Deus pode me curar então porque o feto que também é seu filho nasceu morto e uma outra pessoa acabou de ser atropelada ou morreu de câncer após 6 meses de tratamento? Agora eu pergunto, se somos filhos de Deus então por que ele vai olhar para mim e não olhou para os outros que perderam suas vidas? Eu seria um filho melhor? Acho que não. Não mesmo.

Se tenho fé? Tenho! Mas, a minha fé me faz aceitar a doença que tenho e aprender com ela, tentar crescer; e como sei que tenho um prazo de validade curto, procuro estar mais próximos dos amores da minha vida. Isso me conforto mais que frases prontas. Nem as ouço mais.

Se eu duvido que Deus possa fazer milagres? De forma alguma! Creio! Só não creio que eu mereça ser o alvo dessa benção em detrimento de outros bilhões de seres humanos. E se eu fosse agraciado com tal graça ainda ficaria me questionando: por que eu?

Vou morrer. Ou melhor, estou morrendo. A qualquer monento um infarte. E fim da linha. Por isso já deixo as senhas das minhas redes sociais e YouTube, emails, banco, tudo certo para não dá dor de cabeça para minha esposa.

O caixão é velório já acertei com uma funerária que tem um excelente plano fidelidade com desconto progressivo a medida que a frequência do uso dos serviços funerários aumenta. Creio que não seja muito proveitoso porque na família o único com o pé na você sou eu. Mas, como o amanhã é uma caixa de surpresa, eu aderi ao plano de 3 velórios.

Só lamento morrer e não ver meus filhos crescerem. Homens feitos e carregar meus netos na corcunda como os avôs fazem. Não terei tempo para isso. Lamento. Talvez mal os veja crescer. Isso muito me aflije. Não que minha esposa não tenha competência para cuidar deles na minha ausência, mas que eu queria estar juntos. Nem que fosse de longe, como uma alma. Vendo eles correrem, brincarem, crescerem. E eu ali, mesmo sem ser visto, mas os vendo e sentido. Mas, minha na minha fé as coisas não são assim. É céu ou inferno e dessas duas casas nenhum inquilino já voltou para contar história. Há quem diga que tem reencarnação, voltar e viver de novo coisa e tal, mas como disse, na minha fe essa possibilidade não é possível. Eu até poderia mudar de fé, parece-me que está é mais feliz, mas eu não me adaptaria a ela tão rapidamente, correndo risco de morrer sem crer indubitavelmente nela e assim ficar sem o céu e sem nascer de novo. Para onde iria eu? Vagando no mundo feito alma penada? Tenho medo desse fim.

Se tenho medo de morrer? Não. Só tenho medo de ser esquecido. Esquecido por minha esposa, meus filhos, minha mãe, meus sobrinhos, meus amigos. Por isso, para evitar tal esquecimento, quero que se publique essa carta nos jornais da cidade. Quero que todos possa ler e ver que eu morro sem querer morrer. Morro sem vontade de morrer. Morro a contra gosto.

Te amo filhos.

Te amo esposa.

Te amo mãe.

Te amo meus sobrinhos queridos.

Te amo meus amigos.

Pedro Cara de Leão
Enviado por Pedro Cara de Leão em 28/01/2023
Reeditado em 03/03/2024
Código do texto: T7705542
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.