O Catador de Flores

Os dias aqui na cidade de Vitória são tão quentes que quando chega a cair a chuva, já não sentimos lá grande felicidade. Primeiro porque ela sempre cai à noite ou de madrugada. Pela manhã o dia já acorda quente outra vez.

Independente do clima, se faz frio ou faz sol, aliás, frio aqui em Vitória e mais friagem do que frio mesmo, todos os dias Esmeraldo sai de casa às seis horas da manhã para trabalhar. Esmeraldo e sua pele negra que chega brilha sob o sol e a quentura do asfalto. Sua roupa puída, puída, camisa abotoada na frente emprestada do sobrinho, bege clarinho, clarinho e a calça de linho rasgada nos fundos, remendada de linha de outra cor. Calça azul marinho remendada de linha vermelha. Calça bege remendada de linha verde, e assim se vai Esmeraldo. Negro de fibra esse homem.

Esmeraldo é biscateiro. Vai de casa em casa fazer consertos disso e daquilo. Amola faca, conserta fiação de chuveiro, instala cortina e conserta vaso entupido. Aprendeu tudo com o pai estivador. Homem cheio de vida, mas pobre.

Esmeraldo herdou a pobreza do pai e junto a sua força e dignidade. Hoje com seus 50 anos de idade Esmeraldo só tem na vida um sorriso largo e uma nega chamada Lucinda. O grande amor de sua vida. Êta nega bacana essa tal de Lucinda! Só isso ele leva no coração.

Não pensem vocês que Esmeraldo não sonha. Sonho é abundante em Esmeraldo igual a casca de banana caída no chão da Ceasa. Ele sonha acordado, dormindo, esperando o ônibus e trabalhando. Esmeraldo já nasceu sonhando.

Tem um sonho que Esmeraldo preza mais do que os outros que lhe ocorrem durante o dia. Ele sonha ter a tal casa, a casinha de três cômodos para poder, finalmente, casar com Lucinda.

Lucinda é faxineira, e divide com mais dois filhos um barraco de 1 cômodo só. É divorciada do marido já faz 7 anos. Entrava e saía de muitas casas durante o dia. Casas de gente bem e de gente muito bem de vida. Não conseguia um emprego mais fixo. Vivia mesmo era de faxina pingada aqui e ali. Enquanto faxinava as casas pensava: "Meu deus, esse jarrinho de cristal, esse único jarrinho de cristal, dava pra pagá um mês de comida lá em casa. Agora sê vê né Maria – Maria era vizinha de Lucinda lá no morro do Romão – a vida é o que é para cada um. Uns cultiva jarro de cristal e outros sonha com a cesta básica. Êta mundo desigual, hein Maria? Deixa pra lá que num adianta tê olho grande nas coisa dos outro. É até pecado, né Maria? Quando Esmeraldo consegui um emprego com contrato e tudo, ai quem sabe nóis num faiz um barraco de 3 cômodo? É o nosso sonho Maria. É o nosso sonho."

Esmeraldo chegou em casa tarde da noite na casa de Geraldo, seu irmão. Esse irmão era que nem um anjo da guarda na vida dele. Era pobre também. Trabalha de vigia noturno. Era homem de boa vontade. Morava em uma casa de tijolo que ainda não tinha sido rebocada de tudo. Só as portas e janelas eram novinhas, colocadas com o dinheiro do último ordenado. Esmeraldo ajudava o irmão no que podia.

Geraldo disse a Esmeraldo um dia: "Esmeraldo, se eu tiver uma sorte grande na vida, vou lhe ajudar a construir uma casinha prá você e prá Lucinda. Você gosta dela né? Êta amor danado, hein? Vamo vê né. Vamo vê."

Outro dia Esmeraldo estava sem trabalho. Esse dia se estendeu por uma semana, essa uma semana se estendeu para um mês e esse um mês se estendeu por mais seis meses. Esmeraldo já estava desesperado. Numa Sexta-feira ele foi até a casa de Lucinda. Entrou cabisbaixo coma camisa colada no corpo. Era um dia de calor infernal. Lucinda olhou para Esmeraldo e ficou preocupada. Os dois conversaram sobre a situação: "Esmeraldo você tá tão derrubado. Prá derruba você só mesmo uma coisa séria. Meu nego, o que foi que aconteceu?"

-"Ah,Lucinda tô sem trabalho. Tô sem dinheiro. Não consigo trabalho . Desse jeito nosso sonho fica mais longe."

-"Fica assim não, meu nego. A gente espera. Mês que vem tudo melhora."

-"Sei não Lucinda. Sei não."

-"Você vai desanimá agora homem? tem que lutá homem. Segui em frente."

-"Tá certo Lucinda. Tá certo. Eu é que não vou desistir de tê o nosso cantinho."

-"É assim que se fala meu nego."

Mais um mês se foi e nada de emprego. O irmão de Esmeraldo ajudava no que podia, mas a situação estava ruim para ele também. Já era Novembro. Véspera de Finados. Esmeraldo estava tão desesperado que saiu de casa sem rumo certo para ver se conseguia algum trabalho. Andou daqui, andou dali e nada. Parou em frente a porta do cemitério. Estava um movimento muito grande. Os vendedores de flores se alojaram pelas calçadas e de vez em quando caiam no chão uns ramos de flores partidos. Esmeraldo teve uma idéia: "Vô catando esses talos ai no chão e vô vende isso."

Esmeraldo, discretamente, catando flores do chão, ia reunindo os galhos até formar um ramelhetezinho. Amarrava com um pedaço de linha desfiada de um pano velho e vendia por 1 Real cada.

Naquele dia esmeraldo vendeu vinte ramalhetes. Ia recolhendo do chão as flores boas e ia montando os seus macinhos. Ele gritava assim em frente ao muro do cemitério: "Freguês, compre um macinho de flor para colaborar com o sonho do Esmeraldo. É apenas 1 Real freguês. É apenas 1 Real."

Anaís
Enviado por Anaís em 09/12/2007
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