NOITE, ESTRONDO E DOR

Não consegui dormir muito bem naquela noite. Estive com a cabeça um pouco conturbada, pensando em diversas coisas, situações do meu cotidiano, coisas que pra mim faziam total sentido perder alguns neurônios. O bairro, as ruas e as casas estavam ao sabor de uma certa tranquilidade, a chuva embalava as horas noturnas lá fora. Helena e Laura dormiam na mesma cama. A pequena Lau tinha a dela, mas sempre preferira pegar no sono junto de nós. E eu optei por perder alguns minutos em frente a janela daquele pequeno apê, observando a leve chuva tomar forma lá fora e banhar toda a paisagem. Foi isso que antecedeu a primeira explosão. Na verdade, houve um ofuscante clarão no céu, que de tão forte fez toda a paisagem, antes tomada pelo negrume da noite, se clarear como uma fração do dia. Logo em seguida um estrondo violento capaz de estilhaçar todas as vidraças do condomínio. Eu me recostei numa parede próxima a janela, todo coberto por vidro e pelos pingos de chuva. As meninas saíram atônitas do quarto, minha pequena chorava pelo desconforto do zumbido causado pela explosão. Eu vi o medo nos olhos da minha esposa, me levantei e as tomei em meus braços. Saímos pela escada de emergência em direção o térreo, encontramos todos nossos vizinhos desorientados e também buscando alguma informação. Foi nesse momento que uma pequena calmaria se instalou nos céus, logo em seguida um outro clarão ainda mais denso e ofuscante que o primeiro, depois o barulho ensurdecedor caindo das nuvens em direção ao chão, como um violento soco que nos quisesse acertar. Apertei o corpo miúdo de Laura contra o meu. Ao voltar meus olhos para o lado, vi diversas pessoas tombando como se tivessem sido atingidas por alguma coisa. Alguns mantiveram-se de pé curvados e amedrontados. Minha esposa vacilou, vi seu corpo se reclinar e atingir o chão secamente. Não estava consciente, tombou e caída ficou. Dos seus ouvidos uma vereda viscosa de sangue se escorreu, meu desespero foi imediato. Segurei sua cabeça em meu colo, ainda com Laura nos braços, e a chamei, gritei seu nome, mas seus lábios estavam incomparavelmente pálidos. Uma luz branca da iluminação geral do condomínio voltou a encandear as áreas comuns. Houve gritos, correria, pessoas chamando por socorro e outras ao chão emudecidas como se suas almas tivessem sido sugadas de si. Depois de Helena, me atentei para meu anjinho repousada no meu colo. Ela também não esboçava nenhuma reação. Apertei seu débil corpo contra o peito enquanto minhas lágrimas se misturavam com a fina chuva que caia. De alguma forma eu também morri naquela noite, também tive minha alma sugada. A dor é tão forte que me tornei ela por completo. Não finjo senti-la como a um tosco poeta, porque o que vi e experimentei não foi devaneio ou pesadelo, foi real. A dor é real, é corrosiva, ela consome nossos ossos sem nos extinguir. É a chama da sarça ardente que nos envolve com o vermelho do sofrimento e nos preserva numa constante prática de agonia e impotência. Terrível foi aquela noite, malditas são todas as outras que se passaram e me preservaram neste mundo sem elas.

Alexandre Rodrigues de Lima
Enviado por Alexandre Rodrigues de Lima em 31/01/2023
Reeditado em 20/02/2023
Código do texto: T7708503
Classificação de conteúdo: seguro