Metamorfoseando

Ela sempre se sentia mais uma.

Quando pequena, não via nada de atraente em si mesma. Quando estava perto dos amigos de turma na escola, se sentia inferior, especialmente pela aparência.

Na adolescência, talvez a fase mais crítica de um jovem, tinha muitas preocupações: aula de inglês, espanhol, vôlei, passar de ano, ler, se manter atualizada... Logo não tinha tempo para pensar na aparência (mesmo porque tinha aparelhos nos dentes, usava óculos, 20 quilos a mais do que o normal para alguém da sua idade, cabelos mal tratados e curtos. Definitivamente não tinha "tempo" para se cuidar) e nem sentir que era querida pelos amigos.

Chegou a fase adulta. Começou a entender mais o ser humano, por consequência a si mesma. Se olhou no espelho e percebeu o quanto tinha sido tola em se anular no, talvez, melhores anos de sua vida.

Emagreceu. O cabelo cresceu, sedoso e bem tratado, tirou o aparelho do dente. Os óculos continuaram, porém consegui fazer deles um acessório de beleza, além de correção visual.

Conheceu pessoas que se tornaram suas amigas mesmo. Homens, mulheres, hetéros, homos, bi, intelectuais, surfistas, maconheiros, vagabundos (no bom sentido da palavras - se é que existe o bom sentido nisso).

Foi apresentada a baladas, festas, particulares ou não, bebidas, maconha, ecstasy, pó, sexo... Felizmente, somente ecstasy e pó não lhe apeteceram.

A vida se tornou uma festa.

Porém, junto com a faculdade veio a responsabilidade (obrigação) de fazer um estágio. Nunca entendeu porque deveria fazer um estágio se nem tinha certeza se o que ela estava fazendo era realmente o que queria fazer para o resto de sua vida. Mas tudo bem, a vida continuou sendo uma festa.

Enxergava a vida e a si mesma, agora, de forma diferente. Tinha outros olhos. Parecia-lhe que um raio caiu em sua cabeça abrindo seus horizontes e libertando-a de preconceitos.

Do nada, alguns anos mais tarde, resolveu a se apegar aos livros de forma mais contínua, voraz. Sentiu que tinha sempre uma necessidade absurda de aprender, de saber, de conversar, de dialogar e encontrar pessoas tão ou mais interessantes, cultas quanto ela.

Sim, ela já estava se achando culta.

A faculdade já tinha ficado para trás alguns anos, assim como as baladas diárias (agora somente mensais, olhe lá), poucos, mas grandes amigos restaram.

Já estava a beira dos 30. Um dia, quando ganhou a obrigação por parte de seu pai, aos 14 anos de ler A METAMORFOSE, para não ter que trabalhar nas férias escolares no Mc Donalds, seu pai lhe disse que este livro não sairia de sua cabeça e que a cada ano que passasse teria uma conotoção diferente. Mas que quando chegasse na casa dos 30 muita coisa, começaria fazer a mais sentido na sua vida.

Pois bem, como bem profetizado por seu pai, o livro a acompanha até os dias de hoje e tem, realmente, uma interpretação completamente diferente do que há 10 ou 15 anos atrás.

Parou para pensar em si mesma e percebeu que tem uma pais maravilhosos, amigos que são mais que amigos para ela, bom emprego, o salário poderia ser melhor, mas tem consciência da área que atua. Se sente mais bonita. Se sente gostosa e se sente desejada. Enfim, uma mulher completa: independente, dona de si, com vida feita. É a mulher que seu amigo de anos, disse um dia, que seria. A mulher!

Porém, como todo ser humano, ela não se achava no direito de achar tudo isso de si própria e se continha, em todos os sentidos. Percebeu, que apesar de todo o sucesso, um pouco discreto, mas sucesso, ela ainda se sentia triste. Tinha a nítida sensação que algo ainda lhe falta.

O que será? Talvez já o saiba, mas não assume por medo. Medo de que?

"Sou adulta o suficiente para driblar isso! Não sou mais uma adolescente medrosa e tímida!"

Mas não, não era adulta o suficiente para poder lidar com situações não palpáveis. Não era mais adolescente, mas aquele medo e aquela timidez ainda residiam dentro dela.

Não tinha certeza de mais nada e muito menos de como agir, se portar diante de alguma situação. E quando passada a situação, sempre ficava com a sensação de tomou a atitude errada.

humpf! Estava ficando cansada e triste com aquilo.

Eis que surge uma esperança no fim do túnel. Sentiu que ali seria o seu terreno, o seu porto seguro. Seria, finalmente, aquilo que todos os poetas buscam e seria para sempre.

Não, não era. E assim, foi por mais algumas duas ou três vezes mais com intervalos cheios de desgostos, mas não de arrependimentos.

"Tudo bem! Show must go on, como diria Freddy Mercury", dizia a si mesma.

Continuava sua rotina de trabalho, amigos, casa, contas para pagar, projetos utópicos, outros nem tanto. Pessoas mais entraram na sua vida, umas mais interessantes que outras...

De repente, ela percebeu uma coisa: que a vida é feita de esperanças, de expectativas. Ela notou isso e se chamou de surtada.

Não ela não ficou mais feliz ou mais aliviada, mas se sentiu mais mulher, humana. É absolutamente normal, especialmente nos dias atuais.

Mas realmente, o que ela queria na sua vida, é não ser mais sozinha. E não ter mais que viver de esperanças, somente de expectativas.

Seria pedir muito?