Boa ação

Outro dia um sujeito me parou na rua e tentou me vender uns bombons, que pela embalagem dava para ver que eram de baixa qualidade. Disse que era para ajudá-lo, que vendia guloseimas sim, mas poderia estar roubando, sequestrando e até mesmo matando, igualzinho outras pessoas desempregadas como ele.

Disse que era pai de família (sic), tinha preferido trabalhar honestamente em vez de enveredar (esse verbo ele não usou, claro) pela senda do crime (tampouco essa frase era dele). Esse é um papo muito comum de se ouvir em nossas grandes cidades etc., então vamos ao que interessa.

Eu disse a ele que era diabético (o que é mentira, claro), não podia comer muito chocolate, então sentia muito mas não ia comprar nada. Ele retrucou, me chamando de doutor (coisa que eu não sou):

“Compra, doutor, que dou uns de brinde pro senhor. E vou repetir: eu podia estar roubando, sequestrando e mesmo matando e no entanto...” Interrompi o sujeito e falei:

“Sim, podia, mas você também poderia estar preso de tanto repetir essas besteiras: as coisas acabam acontecendo, já pensou nisso?”

“Não pensei, mas vem cá, por acaso o senhor tem bola de cristal, sabe ler o futuro, dizer que posso ser preso amanhã ou depois?”

“Não tenho, não leio o futuro, leio o passado. Já encontrei muita gente como você que acabou na cadeia achando que a sociedade, as outras pessoas é que têm culpa por sua situação, por estar desempregado ou subempregado, por estar com vontade de roubar, sequestrar etc.”

Então me disse que muitas pessoas acreditavam nele, ficavam penalizadas e algumas até davam dinheiro para ajudar, nem mesmo levavam os produtos etc. Disse ainda que falava aquelas besteiras todas porque tinha sido assim instruído pelo dono dos bombons.

Quer dizer, o rapaz (duvidei que ele tivesse filhos para sustentar, me pareceu muito jovem), estava trabalhando para um espertalhão que obviamente ficava com a maior parte da grana que seus “funcionários” conseguiam arrecadar todo dia vendendo os chocolates, além do que não pagava imposto algum para o governo.

No que o patrão dele não estava totalmente errado porque o governo tampouco nos dá muita coisa de graça. Eu mesmo paguei uma fortuna de imposto de renda ano passado e o que foi que o governo me deu em troca? Algumas doses de vacina contra a covid-19 e uma contra a gripe, nada mais.

Bem, mas para encurtar a história, perguntei quanto ele faturava por dia descontada a parte do “patrão”, fiz umas contas mentalmente, ofereci-lhe um pouco mais, negociamos algumas condições e acabei convencendo o rapaz a vir trabalhar para mim.

Dei o endereço onde ele deveria me procurar mais tarde, e no dia seguinte ele passaria a vender meus bombons na saída da estação do metrô mais movimentada da cidade. Usando os mesmos argumentos que usara para tentar me vender seus chocolates no dia anterior. Foi o que acabou acontecendo.

Sei o que você está pensando, mas concorde ou não com meu procedimento, acreditei estar agindo como cidadão responsável, primeiro por ajudar o rapaz (novo, ingênuo, com pouco estudo) e segundo, por estar salvando a vida de muita gente que nesse momento poderia estar sendo roubada, sequestrada e até mesmo morta por ele.

Sim, roubada, sequestrada e morta! E veja que em troca não estou lhe pedindo para que compre meus chocolates...