Limbo

Ela estava ali já fazia um bom tempo e não sentia absolutamente nada.

De vez em quando um vulto aparecia em sua mente. Ele pairava no ar como uma luz.

Tu és um anjo?

Não, anjos não existem.

Então quem és?

Difícil dizer quem sou...

Tenta pelo menos. Olha, estou neste lugar e nem sei onde estou. Não sinto meu corpo, mas sinto que algo vai acontecer a qualquer momento.

Tens razão. A pergunta que te faço é se estás preparada para ouvir o que tenho a te dizer?

Preparada? Como assim?

É vejo que estás no estágio final mesmo.

Estágio final? Por favor me tira desta angústia. Eu já morri é isto?

Não, ainda não. Depois do teu acidente os médicos te ressuscitaram duas vezes e estás em coma profundo. Irreversível. Tua família vai vir hoje para autorizar o desligamento dos aparelhos.

Ela procurou uma lágrima para derramar, mas não conseguiu.

Fez-se um silêncio ainda maior.

Por favor, vai embora da minha mente, quero ficar sozinha.

Vem comigo, ainda dá tempo. Vem ser feliz no Limbo.

Limbo? Que lugar é este?

Não é um lugar específico. Está na imaginação. Podemos flutuar eternamente sem medo, sem violência, sem limites.

Lá tem mar?

Pode ter é só imaginar.

Sim, quero ir para o Limbo agora mesmo. Vou criar um Limbo especial, com muito verde, cheiro de mato, borboletas, uma casinha de madeira com a chaminé fumegando, sobre a cama vou colocar uma colcha de retalhos bem colorida, quero ouvir minhas músicas na varanda e ver o sol se pôr, depois a lua e as estrelas e o barulho do mar.

Para. Para. Não vai tão depressa. Tem algumas coisas que precisas saber.

Mas, quais? Fala rápido.

Nosso Limbo é todo cinza, ás vezes, mais escuro até. Não sentimos cheiro, sabor, não temos tato, não vislumbramos cores e as formas que vemos não são muito definidas também. Nossa audição é quase zero. De vez em quando aparece alguém, mas os diálogos são restritos, pois os sons são vagos e inaudíveis. Tudo o que se pensou fica numa consciência suspensa.

Então é este o Limbo, que tens a me oferecer?

Sim, mas pelo menos estarás viva.

Ela ficou pensativa.

Neste momento os médicos e a família entraram no quarto.

Após uma cerimônia todos se despediram.

Vem comigo, ainda dá tempo.

Não, meu amigo, não quero viver no teu Limbo. Viver é sentir a Vida na plenitude de todos os sentidos.

Ondina Martins
Enviado por Ondina Martins em 11/05/2023
Código do texto: T7785593
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