Caranhas e tucunarés

O relógio marcava quatro horas da tarde e o sol iniciava seu movimento poente atrás da exuberante serra.

Na casa de paredes e telhado de palha babaçu, o adolescente de 14 anos, com as braços apoiados no peitoral da janela de madeira, contemplava para o rio Tocantins na esperança de pescar alguns peixes para o jantar da família Silva.

Aquela era mais uma quarta-feira de muito trabalho na roça. A limpeza do milho que estava crescendo e o conserto de uma cerca de arame farpado tinham deixado o adolescente muito cansado.

A enxada nas mãos e uma caneca de plástico transparente indicavam o percurso daquele adolescente à procura de "iscas", as minhocas, que seriam extraídas dos locais mais úmidos e próximos do curral em que os poucos animais da família Silva repousavam diariamente.

Com os olhos radiantes, porque as "iscas" encontradas davam a esperança de que a noite não seria de fome, ele tinha convicção de que conseguiria o tão esperado jantar após um exaustivo dia de trabalho na roça.

Os peixes que pegaria seriam também para o café da manhã do dia seguinte.

Café com peixe frito e farinha de puba era o que a família consumia quase todo dia, além de ovos de galinha caipira.

Linhas, iscas e anzóis prontos. A esperança em "pegar" o que comer estava pulsante no coração daquele adolescente.

Com as mãos segurando a cerca que limitava a casa da descida para o rio, o jovem adolescente contemplava as límpidas águas que banhavam as rasas praias sazonais.

Em meio à (des)crença da pesca, e em estado de reflexão, fitava os olhos na serra que estava escondendo o sol naquele magnífico cair de tarde.

Pouco a pouco desceu uns 20 degraus da ladeira que o direcionava ao rio. Sentado na areia reluzente da praia, o esperançoso adolescente preparava a isca no anzol para fisgar o primeiro peixe. Ele gostava muito de comer mandi, o famoso "mandi-amarelo". Quem sabe pegaria uns dez, ou talvez uns trinta. Daria para ele e sua família.

Na primeira tentativa pegara exatamente um mandi-amarelo.

Iria jogar a isca novamente, mas ao levantar os olhos avistou um movimento de redemoinho nas águas. Ergueu-se um pouco mais e atentamente passou a observar o que seria aquilo. Logo descobriu que se tratava de cardumes que estavam em época de desova.

O coração começou a pulsar e logo gritou pelo nome de seu pai que o observava da ladeira da casa. Pedira a ele que levasse a rede de pesca. Em pouco tempo estavam com os peixes presos à rede. Eram caranhas e tucunarés. Porém, talvez por infortúnio, avistaram uma embarcação que trazia alguns homens com uniformes militares. Eles estavam fiscalizando a pesca durante a época da Piracema.

Aquela quantidade de peixes daria para alimentar a família Silva durante uma semana, não fosse a chegada dos militares: os fiscais da pesca. Sem dó ou piedade, as redes e os peixes foram recolhidos das mãos daquele adolescente e de seu pai.

O mandi-amarelo também fora confiscado.

Desiludidos, pai e filhos ficaram tristes diante do ocorrido. Porém, com um pouco de sorte, talvez, aqueles fiscais não lhes aplicaram multa pela pesca fora de época. Com a mesma pressa da chegada os inconvenientes homens foram embora.

Com os olhos cheios de esperança, o adolescente descobrira que as linhas e as iscas de sua pesca não tinham sido levadas pelos fiscais. Minutos mais tarde, porque a fome não acaba sem alimentos, a pesca reiniciada na penumbra da noite trouxe ao semblante do adolescente e de seu pai a esperança de que pegariam peixes que daria para o jantar, e talvez, para o café da manhã.

Na quinta-feira (e nos demais dias da semana), não fosse a possibilidade de nova intervenção dos fiscais, lá estaria aquele adolescente sentado à beira do rio Tocantins para "pegar" o alimento para a família Silva, mesmo que não fosse ao sabor de caranhas e tucunarés!