Infância: mundo de sensações ampliadas

Somente as crianças têm o poder de intensificar as emoções ao extremo pois só na infância se é capaz de captar o mundo através dos sentidos. Com o decorrer dos anos, as sensações vão se esvaindo, assim como o deslumbramento e o encantamento experimentado no passado. Me expressarei melhor através do conto a seguir:

A agitação da cidade, o vai e vem das pessoas pelas calçadas, as vitrines, os prédios, o mar visto do alto, os navios deslizando ao longe, tudo lhe parecia imensamente grande; as bicicletas então, eram tão gigantescas quanto o desejo de tê-las. Uma delas lhe chama atenção especial e está tão perto que se pode tocá-la. Sem sucesso na sua investida, usa a imaginação e se vê pedalando desenfreadamente, ladeira abaixo, gritando a todos os pulmões a alegria de possuí-la.

A explosão de sentimentos lhe inebria e o faz levitar. São sensações misturadas e ampliadas de alegria, desejo e felicidade produzindo emoções únicas e jamais imaginadas, como num sonho bom. Ao sair da loja das bicicletas, mas sem as mesmas, outros sentidos lhe tomam de chofre: o cheiro da fumaça dos carros, a gritaria dos vendedores de comidas diversas e frutas, a diversidade de faces, o jeito de falar das pessoas, as luzes, o que dizer das luzes? Mais pareciam faróis radiantes querendo cegar o olhar do que feitas para iluminar ambientes.

As fragrâncias exaladas das frutas expostas em grandes tabuleiros não tinham apenas cheiro de banana, de abacaxi, de melancia ou de manga; o cheiro se misturava concebendo um aroma singular e próprio daquela cidade, daquela rua, daquele momento. Porém um cheiro se destacava e era único: o perfume que fluía das maçãs argentinas aconchegadas em papel seda azul; era impossível não explodir o desejo de degustar aquele manjar dos deuses, ali mesmo, no meio da multidão. Após a visão mágica das bicicletas e do prazer de ver e sentir as maçãs, outro cheiro, até aquele momento desconhecido, volta a lhe extasiar os sentidos. Descendo a ladeira agarrado às mãos do seu protetor no meio do turbilhão de anseios que lhe assaltam, se aproxima da glorificação: as revistas de quadrinhos, ainda úmidas com as páginas grudadas umas às outras, exalando uma nova essência que o tonteia de prazer e de ansiedade: Capitão América, Batman, Flecha ligeira, Jerônimo, Zé Carioca, Mickey, Tio Patinhas, Pato Donald. Que sensação! Indescritível, apesar da tentativa.

FCintra
Enviado por FCintra em 27/07/2023
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