O Espetáculo

Passeando pelo terreiro, numa tarde quase noite de sol minguado, dona baratinha seguia apressada uma fila, de outros insetos, que iam assistir a famosa sinfônica das cigarras, com participação especial do seu grilo, "gogó de ouro " e a banda de carapanãs, com os famosos efeitos especiais vaga-lumes.

Lotada estava toda a área, todas as pedras ao redor da lagoa quase cheia. O luar resplandecia e a brisa apacentava o mato, que a valsar num pranto frio da coruja, ia e vinha. Podia se ver assentado bem a frente do palco o prefeito gafanhoto, o delegado sapo, bem ao topo, algumas libélulas, lagartas, besouros, formigas, joaninhas , centopeias, uma infinidade de carapanãs, afinal a famosissima banda, que os representava, faria sua exibição.

No centro do teatro, o sapo cururu , com alguns falsetes testava a acústica, corria pro lado pra ouvir o retorno do som, enquanto alguns integrantes do espetáculo também testavam o som.

Em meio a ansiedade e euforia, ainda cabia uma certa agitação, de tom meio escabroso. Apesar de pairar por lá algumas moscas caladas e o senhor louva -deus, com sua senhora majestosamente vestida. Um empurra, empurra aqui, outro empurra empurra ali começava a ser notado. A intriga vinha de dona perereca com o seu esposo, dona borboleta e o senhor percevejo, ambos com repulsa pela presença da senhora aranha e suas filhas, em função da aparência medocídia e foram se queixar aos sapos seguranças do local pedindo pra eles intercederem, que o fizeram com maestria ignorância.

Humilhada, dona aranha e suas filhas pequenas, foram obrigadas a sair dali, sob vaias e achincalhações.

Na hora marcada pra iniciar aquele pomposo evento, a grande estrela, a cigarra, teve seu vestido de apresentação novinho, todo platinado em pedrinhas multicores, confeccionado no centro da capital rasgado. Aí outro corre corre, ela só se apresentava se fosse com aquele vestido. Um silêncio mórbido de um segundo floresceu e morreu, quando a impaciência começou a agoniar os que ali estavam. Não se sabe de onde começou, mas gritavam e faziam barulho, que veio a irritar provocando um levante de parte da plateia e pra conter tal absurdo, o prefeito se fez presente. Alinhou seu fraque, se ergueu do lugar e já no palco, com o microfone em mãos falou:

- se vocês querem show, então se comportem, que iremos ver o que aconteceu e teremos que resolver. Gritar, espernear ou pedir o dinheiro de volta, ou tumultuar, pelo fato de querer atropelar, em nada vai ajudar. Bastou essas palavras, para o povo calar. Apenas uns poucos ainda respingavam palavras destemperados, mas o prefeito ignorou e foi com o delegado ao organizador, senhor cururu pra saber o que fazer.

Assessorado pelo desespero, senhor Cururu falou:

- Eu não sei o que fazer. Não conheço ninguém, que possa resolver. Aí quando o prefeito, quis se desesperar, um dos vaga-lumes ironizando informou:

- A está hora, só quem entende de costura e a dona aranha, que vocês a puseram pra fora. E saiu rindo a toa.

O circo pegando fogo , quando a impaciência ia se reinventar, o senhor gafanhoto, investifo de prefeito falou a platéia:

- Há pouco fiquei sabendo, que vocês não deixaram dona aranha com suas filhas entrarem. Acontece que agora, o show só continuará se dona aranha, se despouser a consertar o vestido da cigarra, pois é a única aqui com esse talento. Então, pergunto a vocês o que faço?

Silêncio dobrado, castigo pensado e uníssono a platéia respondeu sem nemhum remorso ou pecado.

- chame-a , vá a casa dela...já

Assim acordado o prefeito, seu delegado e o organizador fora a casa da dona aranha com o vestido e a implorar pediram pra ela o consertar .

Ela olhou pra suas filhas pequenas, refletiu mais um pouco e sem nenhum desgosto pegou das mãos do Senhor cururu o vestido e rápido o consertou.

Perguntado o valor, ela simplesmente ignorou. Afoito os três entraram no carro, quase que sem agradecer, mal se despediram e foram embora.

Enquanto as filhas perguntavam a mãe:

- eles nos humilharam, fizeram troça de nós e a senhora sequer cobrou. Porque a senhora não fez com eles o mesmo, que eles fizeram conosco?...

Quando dona aranha estava se preparando pra responder dizendo:

- filhas mesmo que nos ofendam, nos humilhem...nos façam mal jamais devemos retribuir. Porque a lei é façamos aos outros o que gostaríamos, que nos façam. Não devemos guardar ressentimento das pessoas, nem permitir, que o sol adormeça sem perdoarmos .

Terminou de falar e o prefeito abriu a porta e pediu pra todas se arrumarem, para irem ao espetáculo.

Lá chegando o espetáculo teve início e findando sem qualquer interrupção. Dona aranha e suas filhas, com a cigarra , o grilo, a banda de carapanãs e os vaga-lumes foram ovacionados. Compreendida a importância de todos, desde aquela noite, o evento, ficou marcado pela humildade da dona aranha e suas filhas.