A ENTREVISTA

Esta é uma obra de ficção e os aspectos apresentados são mera coincidência.

A ENTREVISTA

O cafofo do D. Calú era um belíssimo JK de quatro quartos , como bem dizia sua alma castelhana: cuarto de baño, cuarto de cenar, cuarto de dormir reversible, por supuesto, e cuarto de mirar, ou seja, a sacada. Um valente JK com sacada bem defronte a um dos melhores cartões postais de Porto Alegre, logo ali na rua da Praia. Uma vez o colocou a venda e a grande curiosidade dos candidatos era conhecer um JK de quatro quartos. Na realidade não queria vender e sim massagear seu ego e mostrar a bela vista que possuía. E ainda de quebra a Carlassi, a vizinha que o tentava. Mas tentava para quê, cara pálida? Nos seus devaneios pensava D.Calú, ao vê-la tomar banho de sol na sacada com seu fiel cãozinho, um Beagle bagunceiro chamado Fedro. Não ia ceder o seu valente JK para qualquer um. Não contando ainda com a especialidade da vizinha que era preparar o melhor bife a cavalo das redondezas. Nada a superava neste mister, nem a Joaquina, cozinheira do bar do Magrão. Quando sentia o cheiro empurrado pela brisa do Guaíba para dentro do seu JK de um filezinho esquentando na chapa, huuuummmm....D.Calú literalmente “se escalava” para fazer companhia a Carlassi.

No dia marcado, lá estavam eles. Os jornalistas, é claro.

Quevara, junto com D.Calú, só não desejava que João viesse a perturbar o bom ambiente que se prenunciava. D.Calú morria de frio. Passou o dia inteiro enrolado no cobertor vermelho, de pura lana uruguaya, e que havia ganho num jogo de Tava, lá na fronteira, quando fazia suas estripulias. Agora era outro. Já chega de tomar tudo que via pela frente e nada produzir de bom. Aliás, de bom para todo chinerio das vizinhanças do Gasômetro, mas para ele não. Agora a idade lhe cobrava outros créditos e daí teve a necessidade imperiosa de mudar. Mas isso era passado e pouco lembra do que aprontou. Ou não quer relembrar. Passou a ler com muita intensidade

- “ O que tomei de trago, agora tomo de leituras”sempre dizia.

Como bom boêmio aposentado, dizia que estava solteiro e á disposição, a varejo e a granel para quem se aventurasse.

Na sua solidão, entre seus livros, seguidamente apresentava suas tiradas e conclusões filosóficas. Afinal, cancha não lhe faltava e leitura então...

A campainha toca.

- Ih, como vão?

- Vamos entrando.

- Pois não, com licença.

Os dois jovens jornalistas sentaram, ligaram um gravador, retiraram cada um bloco e uma caneta das suas bolsas e começaram as conversas.

- Mas vamos logo ao que interessa, disse um deles.

- De onde veio essa idéia de desenvolver essa tese?

- Bueno, a tese eu desenvolvi no Brasil, mas o método em Cuba.

- Sim, mas quando iniciou-se?

- Mira, eu sempre gostei de terapias alternativas e no meu país não existe nada parecido. Existe a tradicional, mas não dirigida para os pacientes naturais dessa doença. Em Cuba não existem loucos. Os loucos são os contra El Comandante.

- Mas como?

- Si, tenemos sanatórios políticos para doentes políticos.

- Doentes políticos?

- Sim, para os que são contra o regime del comandante. Hay que ser louco para ir contra o regime perfecto del comandante.

Neste momento Quevara foi tomado de uma profunda tristeza e D.Calú notou.

- É , quando fala de sua terra, Quevara não esquece do sofrimento do seu povo, mas que todos nós também sabemos, falou D.Calú.

- Tens vontade de voltar para Cuba e continuar suas experiências lá?

- Si e não. Si porque ainda tenho familiares e não por causa da opressão que existe em torno de quem não comunga com a cartilha do PC. Miedo sientem todos que procuram uma alternativa que não seja a de Fidel. E aí mora el peligro.

- Mas o senhor não sente medo de ser perseguido aqui por seu radicalismo contra esses que contraíram essa esquizofrenia?

- Si, e já tenho um processo nas costas. Um ciudadano me ameaçou numa palestra que fiz, não gostou do que apresentei.. mas tudo é fruto do que vi, senti e concluí. Nada más e me sinto tranqüilo, pois aqui pode-se trabajar com tranqüilidade e responsabilidade.

- Como o senhor reage aos ataques vindos da esquerda, particularmente dos mais radicais, considerando que a Esquizofrenia descoberta parece dirigida especialmente para eles e por neles como uma doença?

- Si, os enquadrados por la esquizofrenia gritam muito, mas no fundo gritam por se sentirem descobertos no que propõem. Em Cuba existem fiscales por toda parte, até nos bares e taguaras. No se puede respirar sem ser el aire de Fidel. E quando vi la bandera cubana aqui , comecei a sentir miedo porque os conheço e seus métodos de larga data..

- Sr Quevara, a classe médica está atônita com seus métodos pouco ortodoxos. Não temes um processo que o impeça de exercer a profissão?

- Si, es um peligro. Mas quem me procura , eu atendo e curo. Es lo que puedo responder.

- Mas seus critérios são fruto da experiência ou estudo, ou até mesmo de observações no seu país?

- Si, si, si. Lo creo que tudo junto. Pero aqui, quando conheci esta figura intelectual chamada D.Calú Saravia, pude dar um tom teórico a la praticidade que observei. La esquizofrenia cultural puede entonces ser delineada e definida. O que falei nas palestras apresentando as premissas e os arquétipos dizem tudo o que ela é.

- Sim, as premissas apresentadas geraram um barulho infernal na classe médica, mais ainda nos militantes de determinados partidos políticos. Como o senhor vê isso?

- Si, se a carapuça serve.......

- Continuando no tema da associação da esquizofrenia a militantes partidários, o senhor parece apresentá-la de modo até acusadora e ofensiva. Qual seria a motivação para tamanha agressividade?

- Si, si, si. Tiengo mi forma de apresentar. Mi país es una república, penso, policialesca, tiranesca, totalitaria até não sei quando. E com respaldo de muita gente daqui. A agressividade , com certeza, é por sentir ares de Fidel presente em muitos políticos brasileiros e não quero que aqui se transforme em lo que es meu país. Sin liberdad, sin espacio para nada que no sea de acordo com que Fidel lo quiera. No me gusta para los outros o que no desejo para mí, es lo que pienso. O lado político de mi descubierta misturando la politica, medicina , filosofia e otras cositas, puede decir que fuerom de mis observaciones nesta ciudad. La bandera cubana no palacio, la presença maciça de militantes del PC cubano no Forum Social, sus banderas por todo canto, el apoyo del gobierno y la radicalidad de los seguidores me dieron argumientos. A todo que via, mi vida em Cuba y la formación y observaciones de D.Calú me ajudaram a formar o conteúdo desta teoria.

- Ah, uma outra pergunta que gostaria de ter feito antes: gostas de ser chamado de Che Quevara?

- Por la facilidade de identificação , si.

- Porquê saíste de lá se dizem que tudo é tão bom?

- Para conocer el Analista de Bajé. Vim para Porto Alegre, não o encontrei até hoje e não consegui sair mais daqui. Muitos amigos fiz, me acolheram bem, e daí fui ficando, ficando....

- Por fim, Quevara, apesar de Cuba ou por Cuba ?

- Lo creo que por el futuro de Cuba sigo. Gracias.

- Então vieste para conhecer o Analista e conheceu D.Calú?

- Si, hasta hoy, no encontrei o Analista, mas D.Calú me levou ao encontro de mi teoria. Atirei no que vi e acertei o que não vi, como diria o João.

- Por fim, Quevara ou Adolfo Gonzáles?

- Como quieras, por supuesto.

- E o Sr, D.Calú, como fiel escudeiro do Quevara, o que acha disso tudo?

- Bom, antes de tudo, é claro que a importância da formação e vivência do Quevara foi fundamental. Sem ela não poderia dar formato a uma simples observação. Juntar medicina com filosofia numa tese médica não é para qualquer um. Platão com Pavlov, Freud, Jung, veterinária, informática, política, meu Deus , como foi possível...Acredito que foi uma feliz coincidência quando conheci Quevara no bar do Magrão e me encantei com suas observações, mas senti que faltava muito fermento para aquele pão. Conversamos, ele tomando uma vodca fortíssima e eu água mineral, e de imediato os nossos pensamentos convergiram para o que é hoje essa tese brilhante. Tivemos problemas, sem dúvida. Posso dizer que o primeiro foi quando as atividades do Fórum Social se iniciaram e Quevara notou o fanatismo e o radicalismo com que os participantes defendiam o socialismo cubano. Ele foi impedido de entrar numa conferência e ficou indignado. É óbvio que sua identificação para entrar foi de uruguaio, pois não desejava mal nenhum e sabendo que daria confusão. Ainda mais que apareceu do lado dele um cidadão que queria entrar de qualquer jeito, mas estava meio embriagado: era João, que agora não nos larga mais. Conseguimos juntar todas as peças e formavam um conjunto harmonioso apesar de não parecer. E estamos aí com o Mico da Caverna sustentando o Guascazo. A quantidade de pequenos cursos que fizemos para colocar Quevara dentro da situação gaúcha foi enorme. Íamos em tudo, até em quermesse de igreja, velórios, passeatas, comícios, bailes estudantis e reuniões políticas. Acho que tivemos êxito. A tese abarcou tudo o que Quevara imaginava e sentia e eu também.

- Então sua participação foi o de sustentáculo teórico?

- Sim, pode ser assim.

- E a prática?

- Bom, isso é com o Quevara, afinal ele é o psiquiatra.

- Ah, bom.