CAPITULO II - (A COBRANÇA)

2º Capitulo (LIVRO A COBRANÇA)

A noite caiu de repente, as estrelas cobriam todo o céu, a calmaria na fazenda era quebrada apenas pelo som das cigarras e dos grilos.

Estávamos todos reunidos na área, conversando e contando histórias. Sr Silvano, um velho pescador era veterano em seus contos e sempre conseguia nos surpreender.

Dona Antônia entrou logo para preparar o jantar, pediu ajuda a Maitê e a Dona Margarida, senti-me constrangida e perguntei-lhe se poderia ajudar, mas a cozinha não precisava de mim então fiquei cuidando de Francisco e Nina, que brincavam de pedrinhas perto da porta.

Silvano estava deitado na rede e conversava com Jonas sobre suas aventuras.

Fiquei observando à todos por um tempo e me aproximei das crianças.

Quando me sentei ao lado delas, Maitê chamou por Nina para tomar seu banho, Nina entrou deixando eu e o pequeno Francisco frente a frente.

Olhei atentamente seus olhos espertos, e questionei a mim mesma o que aquele menino deveria saber, logo perguntei-lhe:

- O que quer dizer com acreditar em mim?

Ele permaneceu calado, de cabeça baixa e eu me intriguei, chamei-lhe pelo nome e novamente perguntei.

Ele parou de mexer as pedrinhas e disse:

- Toda noite eu sonho com os cobradores, eles invadem a casa, quebram tudo, ameaçam meu pai, eu fico com medo e me escondo, fecho os olhos. Quando tudo passa vejo que você está do meu lado me abraçando e dizendo que vai nos ajudar. Eu tenho certeza que é você que eu vejo nos meus sonhos.

Minha respiração cessou, empalideci imediatamente, a boca ficou seca, perguntava a mim mesma o que de tão ruim poderia acontecer que eu, uma jovem tão sem estímulos, poderia fazer para ajudar.

Quis perguntar a ele quem são os cobradores, o que eles querem e porque sonhava comigo, mas não consegui. Permanecia engasgada olhando sem nenhum movimento o menino que jogava as pedras no chão.

Nina logo surgiu e o chamou para dentro e eu estava pálida com o susto que havia tomado.

Fiquei parada ali, notei que enquanto olhava ele entrar lágrimas caiam dos meus olhos e minhas mãos tremiam. Jonas me olhou e perguntou se eu estava bem. Eu nada poderia responder, mas algumas palavras saíram sem que eu notasse.

- Sim, estou bem – respondi atordoada.

Algum tempo depois entrei para o jantar. Todos estavam animados, conversando e eu estava quieta, pensando qual o motivo de tanta mudança em minha vida.

Mal tocava na comida, mal consegui piscar, voltei a mim quando Dona Antônia me indagou:

- E você Mel, de onde veio?

Parei olhando sua face e um filme em flash´s veio em minha mente. Alguns fragmentos de lembranças semi-apagadas brotaram mas logo pensei: me acharão maluca. Então sorri dizendo:

- Esta é uma boa pergunta Dona Antônia. Pensemos sobre isso.

Todos sorriram curiosamente e eu sabia que no fundo cada um me achava louca desde o inicio, mas naquela altura do campeonato era melhor poupar explicações.

Conversamos mais algum tempo e logo fomos dormir, fiquei no mesmo quarto que Maitê e percebi naquela noite um sentimento muito negativo vinha daquela garota para comigo.

- Por que você está na minha casa? – perguntou ela.

- Eu não sei por que nem como eu vim para cá, adoraria voltar pra casa, mas não sei como. – respondi com um ar cansado depois de tantas surrealidades.

Ela me olhou e sem mais se virou para dormir.

De manhã quando acordei observei o quarto e percebi que estava sozinha. Ouvi muitas vozes ao fundo e me levantei. Caminhei devagar.

- Oi Mel, tudo bom? Teve uma boa noite de sono?

Fiquei em silêncio por um tempo, me sentia estranha, disse que sim e tentando acordar por inteiro estiquei os braços ao alto.

Dona Antônia estava sorridente, todos estavam sorridentes, Nina comia com as mãos postas sob a mesa ao momento que mastigava. Seu Silvano contava á família seu sonho engraçado e eu estava ali parada na porta, corpo reto e desajeitado, observando tudo o que se passava.

Dona Margarida olhou-me com um sorriso, então me chamou para sentar.

Me arrastei vagarosamente.

Me sentei.

Eu comia com calma, espantada observava a alegria da família, ao mesmo tempo em que comiam falavam e riam e preservavam uma alegria contagiante, mas ao mesmo tempo os olhares que alguns me dirigiam eram intrigantes.

Francisco me olhava, eu me intimidava.

Percebi que aos poucos os membros da família se levantavam ao terminar a refeição e eu fui ficando.

Restando apenas eu e Francisco.

- Não vai brincar hoje? – perguntei-lhe.

- Não! Hoje não posso!

Não entendi que compromisso teria um garoto tão pequeno. Então indaguei:

- Ah, não? O que irá fazer?

- Não sei. Ainda não sei o que devo fazer Mel.

Sua face estava preocupada. Um garoto tão pequeno com os traços tão cansados e preocupados me levou a sentir calafrios. Era uma estranha vibração que emanava cada vez que eu me aproximava de Francisco.

Minha mente se retorcia.

Ele se levantou e apertou a minha mão. Permanecia de cabeça baixa e disse com palavras em tom suave, ainda assim, assustador.

- Confio em você. Não me deixa sozinho, por favor.

Meu coração disparou. E naquele momento me levantei deixando a cadeira cair.

- Mas...

Logo, Maitê apareceu e chamou por Francisco. Levou-o corredor a dentro e eu fiquei parada ofegante, olhando o menino sair de passo em passo e a cada passo dele eu me sentia mais insana.

O dia foi se prolongando, ajudei na limpeza da casa, ouvi alguns murmúrios dentro de um quarto fechado que de alguma forma me fez sentir curiosidade. Um sensação de mistério se fez presente.

Parei a frente da porta e sem que eu me desse conta já estava inclinada a ouvir o que diziam lá dentro. Reconheci as vozes de Dona Antônia e Dona Margarida, mas o que diziam ainda continuava sendo uma incógnita.

O dia passou.

Logo a tarde quando terminei a limpeza, pedi a Dona Antônia que me liberasse para dar uma volta, tentaria achar um lago que por um momento ouvi Sr Silvano comentar enquanto contava suas aventuras.

Caminhei a tarde toda observando as árvores que misturavam-se e inclinavam-se com o vento aos lado do meu caminho. Enfim, senti um frescor e me dirigi ao encontro desta sensação e encontrei o tão “falado” lago. Era um lindo lago, uma pequena cachoeira desaguava sobre ele e a sua água cristalina era reluzente e refrescava só com sua proximidade ao meu corpo.

Sentei-me em uma das pedras que ficavam ao seu redor, molhei os pés e observei a água. Via e sentia os peixes passarem por meus pés e estes pulavam e nadavam com rapidez e astúcia.

Sentada iniciei um ciclo de meditação. Olhos fechados abaixei a cabeça pensando num motivo cabível para toda a loucura que me acontecera. O canto dos pássaros ao fundo me elevava e eu me sentia pacificamente preenchida pelo ambiente.

Os minutos foram passando e minha meditação e pensamento ainda me fazia contemplar o momento. Algumas palavras saiam da minha boca ao instante em que eu “pensava alto”.

- É bem difícil encontrar uma jovem a conversar só aqui na mata!

Abri os olhos num relance, levantei-me com rapidez. Recuei, cambaleei.

- Calma, calma, eu não quis assustar, desculpe –me! Prazer, sou Miguel.

Eu estava muito assustada para responder, olhei a mão do rapaz estendida para me cumprimentar, porém, continuei paralisada.

Ele também recuou recolhendo a mão que não cumprimentei.

- Olha, eu não quis te assustar. Creio que acabei fazendo isso, mas juro que foi sem intenção! Quando a vi sozinha, me questionei se estaria bem.

Intriguei-me com a explicação.

- E por que não estaria? – perguntei.

- Não sei, esse lago é conhecido por ser refugio para todo mundo que está sofrendo – explicou - Vamos recomeçar, sou Miguel, muito prazer.

Novamente fitei sua mão esticada e agora respondi. Dando-lhe a mão, falei:

- Prazer, sou Mel.

Nossas mãos se cruzaram em um laço firme que durou alguns segundos além do que seria normal, nossos olhos se interligaram.

Passado algum tempo, novamente me sentei, e ele, sentou-se ao meu lado.

Conversamos. Falei pouco sobre mim, evitando dizer o que me aconteceu, ele também falou pouco sobre ele, talvez tenha evitado dizer algo.

A noite já estava caindo, eu me levantei e me despedi. Ele me olhou nos olhos ao segurar meu braço e perguntou:

- Quando eu vou te ver novamente?

Eu simplesmente não sabia!

Virei-me e sai por entre as folhas, deixando para traz mais um dos mistérios da minha vida!

Sem saber explicar, cheguei sorrindo na fazenda, iluminada ao fundo pela luz da lua e do céu estrelado e acenando pela janela da casa a luz fraca que lá se mantinha.

- Mel! Estavamos preocupados com você! O que houve?

Não conseguia fixar meus olhos nos de Dona Antônia, abaixei a cabeça sorrindo.

- Não se preocupe! Vou me banhar! Já volto.

Todos nos reunimos na mesa para saborear o jantar. A conversa evoluía e eu estava pensativa, me sentindo preenchida e mais confortável aquela loucura que me cercava.

O jantar se findou. Fomos para a sala de música onde novamente Maitê tocaria suas canções e a cena se repetiria. Sr Silvano acompanhava com os dedos na perna e Dona Margarida se emocionava. Francisco, me olhava.

Pedi-lhes licença e sai um tanto perturbada. Eu não fazia parte daquela família e eles me aconchegavam como se fizesse, tudo ali era tão perfeito para me acomodar e eu ainda não conseguia entender o porquê de tantas mudanças.

Cheguei ao corredor e ali permaneci alguns minutos.

Olhei e vi Francisco ao meu lado me observando.

Senti uma sensação estranha. Minha cabeça doeu e vi alguns rostos desfocados na minha mente.

- Mamãe... – murmurei.

Eu apenas repetia o que ouvia em minha mente.

Francisco me olhou profundamente, sua pele era branca como leite, macia, olhos penetrantes, era um mar que me irradiava, uma linda criança. Ele me abraçou desejando-me uma boa noite, meus braços ficaram leves com o toque dele, seu perfume me estremeceu. Percebi que aquela pequena criança guardava um grande mistério.

Caminhei até a porta da sala onde as canções se espalhavam e Dona Antônia fez um sinal para que eu entrasse. Dei-lhe um sorriso, fiz outro sinal dizendo que iria dormir.

Deitei-me na cama, olhava o teto sem pensar em mais nada. Limpei minha mente, e logo adormeci.

(Próximos capitulos no livro)

___________________________________________________________