Conversa com Deus
- Seja bem vindo ao céu. Aqui terá paz eterna.
- Obrigado, São Pedro. É de certa forma reconfortante o senhor estar aqui. Eu poderia falar com deus, seu chefe?
- Ele não está neste momento. Por que exatamente é reconfortante eu estar aqui?
- Você não sabe? Achei que fosse onisciente.
- Apenas deus é.
- Certo. Primeiro que na morte nós ficamos um pouco nervosos com o que pode acontecer, mesmo quando não estamos conscientes. Então é mais calmante do que reconfortante propriamente. Além disso, eu era irlandês. Lá nós tínhamos um certo conflito religioso sobre a existência de santos.
- É. Por que exatamente você gostaria de falar com deus?
- Eu queria reclamar com ele.
- Sei. Infelizmente ele não faz audiências.
- Ah, entendi.
- É.
- Eu morri com um câncer no cérebro.
- É, eu vi. Foi triste.
- Quando eu era jovem eu fui atleta.
- É, está na sua ficha.
- Eu disputei apenas uma Olímpiada.
- 1976. Montreal.
- Eu disputei a corrida de 800 metros.
- É.
- Eu fui o vice do vice do lanterna na 6ª bateria.
- É. Você fez o percurso em 1 minuto, 49 segundos e 29 décimos.
- Sim, e eu não ganhei.
- Eu entendi o seu ponto. Você teve uma vida ruim e medíocre para que outros pudessem ser exitosos e vitoriosos. Acontece muito por aqui. Você gostaria de reclamar por alguma coisa melhor ou só mandar ele tomar naquele lugar?
- Os dois.
- Lamento, mas ele não faz mais audiências. Ele parou de fazer justamente por isso. Não vai ajudar, mas muitos de nós santos também temos essa mesma raiva dele.