O Dia da sopa

Exatamente ao meio dia, ela vinha e dizia:

-Hum... Essa sopa está muito gostosa. E colocava a mesa uma panela imensamente impositiva de sopa.

Sem direito a dizer nada a molecada apenas observava. Enquanto ela colocava aquele caldo no prato e o enchia até bater, com maxixe, quiabo, jerimum, beterraba, batata, cenoura e bastante verduras.

Sob o olhar dos expectadores, como o Zé, que só

se debatia e torcia a cara. Sorrateiramente, aos poucos ia afastando a carne das verduras, colocando o maxixe e o quiabo, com beterraba e a cenoura no outro canto, que era amplamente compartilhado pelo resto de nós. Mas quando a dona da sopa, pelo rabo dos olhos nos descobria, ela ainda dizia:

-Comam logo se não a sopa esfria.

Como a emburrar, sem querer sair do lugar, que nem o jegue do seu Porfirio durante o dia. Nos arriscavamos, sem a proteção daquela lei da palmada, que na época nem existia e com a paciência quase esgotada, mais uma vez ela replicava:

- Comam logo e deixem de manha, se não querem comer com o couro quente.

Esse aviso carinhoso, pra alguns era suficiente, que comiam a lamber os dentes, mas outros como o Zé, eram resilientes e insolentementes, que as vezes, causava em nós indagações consistente, de querer saber o por quê, dele insistir naquela teima, que quase sempre terminava na chinelada, ou raramente, no castigo.

Mamãe, afrontada não tinha outro remédio se não cumprir a pena pra não ficar na frente dos outros desmoralizada e o samba acontecia, mais ou menos assim:

- aí, aí, aí mamaezinha. Não me bata, que eu já vou comer sim, sim. E as chineladas,

lá do quarto, pareciam não ter fim. Uns minutos de alvoroço, que botava pânico na molecada, filho dos outros e nos deixava pelo resto do dia, sob a tensão dum trauma.

Lá se ia mais um dia de sopa, conosco no quarto trancados, Zé com o couro ardido, os meninos da vizinhança de sobre aviso e a mamãe, o dia todo irritada. Falando, falando, repetindo qualquer coisa do gênero, como um discurso já ouvido:

- eu me mato, lavando a roupa dos outros, pra trazer comida pra casa e vocês sabem da minha luta e ainda querem escolher?...Não vou tolerar isso aqui. O que cair na mesa vocês tem que comer. Só vão escolher, quando o suor de vocês fizer parte da mesa. Enquanto isso vão comer o que eu posso oferecer.

Na tarde silenciada, após a sangria, a surra do dia, ela assentava na soleira da porta daquela humilde casa, e como se nada, tivesse acontecido, chamava um a um, pra catar a cabeça, como a dedilhar o sono, contando histórias ou a versar uma cantiga, a nos fazer dormir no seu colo, como a se redimir dos excessos, dos flagelos impostos.