Tragédia de uma Noite

Essa noite doentia. Eu devia estar feliz, realmente devia, mas simplesmente não consigo. O sorriso de todas essas pessoas faz com que lágrimas desçam lentamente sobre minha face, faz com que meu estômago revire de ódio. Incompreensível, mas é a realidade. Não tem como ou porque fugir dela, desta realidade idiota.

'Por que essas pessoas não param de sorrir feito idiotas?!' - pensa revoltada, limpando de vez em quando algumas lágrimas solitárias, escondidas sob seus óculos escuros.

A campainha tocou, e a menina - de no máximo 12 anos de idade - levanta rapidamente. Há dez minutos procurava uma desculpa para sair da mesa. Andou rapidamente, atraindo alguns olhares reprovativos, focados principalmente em suas roupas pretas.

Chegou em frente da porta e a abriu lentamente. Viu os carros passarem velozes e uma mulher com roupas maltrapilhas caminhar decidida para o meio da rua. Em menos de cinco segundos o desastre: viu ela voar com a batida de um carro e cair longe. O susto fora tanto que sua boca tremia, assim como suas mãos.

Ouviu passos vindo em sua direção, e logo sua mãe estava olhando horrorizada para o meio da rua, enquanto uma tia sua telefonava para a emergência. Mas agora tanto fazia. Olhava algo bem em frente da porta deles. Aproximou-se, curiosa.

O que viu fez mais algumas lágrimas descerem. Tirou seu óculos escuros e pegou o embrulho em seu colo. Um bebê. Como aquela mulher pode fazer aquilo? Deixar seu filho na calçada e se matar? Percebeu alguém tirando a criança de seu colo, e nem reparou quem foi. Agora mais nada conseguia perceber. Um sentimento que não conhecia já se apossara de sua mente, deixando-a atordoada.

Percebia naquele momento o quão estava vazia já há algum tempo, e a culpa por ter se deixado invadir por aquela morbidez a fazia se afundar ainda mais no mar negro de sua mente. Viu a criança, abandonada por sua mãe, nos braços de alguém que preferia não saber de quem era. Caminhou até o bebê e o pegou de novo em seu colo, as lágrimas descendo ainda mais.

'Talvez tenha sido melhor assim... Certamente foi melhor assim... Aquela mulher provavelmente era uma mendiga. Essa criança tem mais chances agora. Eu tenho que fazer ela ter mais chances... Eu realmente quero meus sentimentos de volta. Eu os quero!' - pensava em um misto de desespero e insanidade.

Alguém tentou tirar o neném de seus braços, mas ela não deixou. Tão nova, mas o instinto materno do que poderia vir a ser uma forte e bela rainha surgiu. Não deixaria levarem aquela criança de maneira nenhuma. Correu para impedir os outros de levarem seus sentimentos novamente.

- Minha filha! Voltei aqui! - gritou sua mãe, desesperada.

- Mãe! Mãe! Por favor, vamos dar àquela mãe o que ela queria... Um futuro para a filha dela... Por favor... - implorou, ajoelhando-se agarrada à pequena vida que carregava.

A mais velha se ajoelhou e abraçou sua própria filha, que crescera tão rapidamente em apenas meia hora, impelida pela natureza de seus sentimentos.