A Última Aventura

Naquele ano de 1974, já estava matriculado como candidato estranho na Escola Santo Afonso, cursando a 3 série primária, no período da tarde, quando a normatização nos organizou em fila, sob um sol a cantar os hinos Nacional, do Pará, da Bandeira e da escola, bem como ouvir da vice diretora os informes peculiares, para depois entrar na sala de aula. Quando a caminhar suavizado por uma brisa, ouvir um colega falar Castro Alves todo pomposo desnudando Navio Negreiro e aquela Dama Negra, que as meninas sem entender suspiravam. De tudo o que se ouviu, o que mais chamou a atenção, além da poesia foi a notícia de que a professora, Euraise Garcia da Luz iria chegar atrasada.

A passos largos fomos pra sala de aula, depois de umas horas, bateu o recreio seguido da informação, que estávamos liberados, porque a professora não viria mais, a alegria foi geral, não podíamos ter notícia melhor. Não que não quiséssemos estudar, mas aquela manifestação era normal.

Sob aquele mormaço, a mata que ficava por detrás da nossa escola teimava em nos provocar, com suas árvores a segredar, qualquer coisa, que os pássaros algazarravam a destilar, mas não contavam .

Quando ninguém estava a me notar, pela euforia

de voltar pra suas casas, coloquei a mochila na costa e sair discretamente devagar. Já na porteira das proibições, Miguel, Ronaldo e Edvaldo me alcançaram a me ameaçar de contar pra inspetora, o meu plano, se não os levassem juntos.Nem líder de nada me colocava, mas eles na verdade, só queriam alguém pra caso algo desse errado, seria o bode expiatório, pra culpar.

Em galope, esbanjando vitalidade começamos a corricar e entramos por um costumeiro caminho a céu aberto, que outros haviam já adentrado. Destemidamente seguimos, passamos pelo Coceirinha, um campo rústico de futebol, depois pelo Coceirão, até chegar num soturno clarão. Onde uma imensa parede solitária, com várias janelas com ares de depósito abandonado, encoberto pelo matagal apareceu sinistramente por lá.

Nesse instante, as árvores dançando num suspense ao redor, ao som silencioso dos versos de um solitário pipilar, que enervava a alma dizia assim:

Sa-ci... sa-ci... sa-ci. Inibido o momento ao redor, que parecia nos enclausurar.

Cheios de medos uns pararam, mas eu obstinado continuei a caminhar, mesmo sob os apelos deles pra eu ficar.

Vencidos e acuados por seus grilhões familiares, como uma onda, que queriam ir, mas também queria ficar. A mata fechada misteriosamente chamava e embalada por aquela solfejar, que arrepiava e subjugava a imaturidade dos aventureiros, que eu teimosamente impetuoso, passo a passo vencia, porque como sonhador, queria ver algo, que há muito, mesmo sem entender, sabia que estava lá.

Taciturno o caminho ia se fechando, encurvando, sombreando, mas eu como a andar nas estivas mal cuidadas da periferia, não desistia e ia andando. Quando de repente, ainda sob o pipilar triste daquela ave, em duas pausas, uma brisa fria veio ao meu encontro, causando tupor ao meus colegas, que imediatamente pararam.

Olhei para trás refreados e pensativos, embarcavam na ideia de voltar. No entanto, tentando animar pra não desistir na porta, resolvi correr pra acabar com o suspense da densidade da mata, cuja escuridão da tarde pelos galhos e folhas começava a escrever nas entrelinhas dos nossos olhos juvenis, qualquer coisa como o entardecer, qualquer coisa como a hora a nos prender e nos incapacitar, de ver além dos limites.

Mesmo sob o titulo de incauto, num passadiço, entre ir e ficar, já estava lá e fui, porque no meu interior sabia que não era nada a nos macular.

Quando a dois passos de uma pequena abertura, ouvi aquele marulhar como o meu coração a transbordar de ansiedade. Como o esposo a desposar a noiva em noite de núpcias. Era, enfim o que sempre estive a imaginar, um portal pra baia do Guajará .

Como o abrir de uma camisa, pra dar liberdade ao corpo num calor substantivo cheguei ali pra ver aquela maravilha frente a frente. E de um brado, gritei aos meninos pra eu dividir aquela emoção de estar lá, que obedientes vieram com outras invenções, queriam mais do que eu mergulhar naquelas ondas. Mas limitado pelos uniformes, se conteram em apenas admirar.

Naquele lugar, em frente a ilhas o sol já nos alertava, que o nosso tempo acabara, embora as ondas barrentas daquele mar sem dono, nos convidasse a ficar. Molhando os nossos sapatos, envolvendo as nossas mãos como a argumentar.

Mururés e Tajá, embaubeira e mata rasteira a passarada a cantar, tudo nos clamava a ficar. Mas sem aceitar esse imprudente convite nos permitimos sob juras um dia voltar.

Promessa jamais cumprida, pelo menos por mim, que sai daquela escola e mais tarde, quando me dei conta de voltar, a mata já não existia.

Todavia, jamais esquecerei aquele fim de tarde, com a lua já a namorar o seu lugar entre as folhas das árvores e o leito daquele mar.