O Resultado
1
— Pô Vadinho... Não tá achando essa piscina grande demais não?
— O quê?
— Além do quê, já não cai água há um tempão.
— Ha... Cala a boca Uruba. Tu não sabe de nada.
— É mesmo. Só sei é que tua mulher vai te esfolar quando souber que tu comprou essa parada no cartão dela.
— Vai nada... Além do quê é aniversário do moleque. E quando ela souber do presente, vai levar ele lá. Aí, a gente mata o porco, queima a carne, toma umas geladas e pronto, voltou sem sentir. Tá ligado? Já comprei geral, só faltava mesmo era a piscina e o álcool.
— Pô Vadinho, quem vê assim pensa até que tu ganhou no bicho.
— Quem sabe?
— Quem sabe o quê?
— O resultado de amanhã num vem parar na minha mão... Eu pago as conta, arrumo as mala e vazo!
2
Ele sabia o que estava fazendo. Apesar de não seguir nenhum ritual, via cada situação com o máximo de clareza que elas lhe permitiam. E isso era quase sempre satisfatório.
Cortou as folhas do noticiário e as separou em pequenos blocos sobre a mesa de centro. Embrulhou primeiro, como lhe pareceu obvio no meio de toda aquela sujeira, os pedaços menores, já que o sangue havia escorrido por completo. Não que o animal tivesse além do esperado. Sorriu ao ver uma foto de seu primo na seção policial. Preso por porte de armas e tráfico de drogas. Sabia que teria muito mais trabalho para fazer naquele dia além do programado. Guardou as peças embrulhadas numa bacia de alumínio e partiu para as maiores. Era uma pena não poder fazer um churrasco daqueles. Pronto. Esvaziou a piscina no boxe e a levou para fora junto com a mala, agora pronta para viagem. Pegou o álcool e despejou sobre a piscina no meio do quintal. Riscou um fósforo e reparou que acenderia seu último cigarro. Aqueles maços haviam desaparecido em poucos minutos. Contemplou o fogo enrugar o plástico sujo, e com a mala pesada, se mandou pelos fundos ao som de uma sirene solitária.
3
— E aí Zé, tudo bom?
— Indo. Me dá um jornal aí.
— Fiquei sabendo que quebraram tua banca ontem. É sério?
— É.
— Quer saber de uma parada? Fui conferir meu resultado com o dele e não tava batendo.
— Tô sabendo.
— Perdi minha grana toda.
— Foda-se. Ninguém mandou jogar no bicho.
— Pois é... Vai levar qual?
— O pior.
— Vai trabalhar hoje?
— Não é da tua conta coroa. Ou é?
— Não... Que isso. Só pensei em ajudar. É que eu troquei
uma idéia com ele ontem e...
— Como é que ele é?
— Quem, o Vado? Negão... Tipo tu assim. Menor um pouco. Mas acho melhor levar mais.
— Me dá dois Povo* e um maço de cigarro.
4
Não dispunha de tempo para fazer a coisa mais bem feita. Há sempre um intervalo muito curto entre um tiro e a sirene da policia. Então, não pensou duas vezes. Desceu do guarda-roupa empenado, uma empoeirada mala de couro. O marrom acinzentado permitiu-lhe clareiras suadas em formatos de mão. Jogo-a por sobre a colcha embolada na cama e afrouxando as fivelas, abriu a gaveta improvisada. Arrastou a piscina de plástico para o meio da sala e disparou o volume do rádio. Jogou o corpo para dentro do azul desbotado e com a ajuda de um cutelo, começou a tingi-lo de um vermelho escuro e coagulado. O serviço demorou menos do que o esperado, afinal, ganha-se velocidade com a prática. Admirou-se de conseguir fumar tanto em tão pouco tempo. Geralmente gastava um maço por serviço, mas aquele lá, alimentara o enfisema de uma forma especial. Já havia queimado quase três desde a hora em que comprara o jornal.
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*O Povo: Jornal popular. Circula no Rio de Janeiro, trazendo sempre manchetes agressivas e grandes fotos de cadáveres na primeira página. Um dos jornais mais baratos da cidade.