A patinha do joão-de-barro

Antes de viajar, Wagner queria ter certeza da saúde do joão-de-barro. A patinha esquerda estava quebrada, em vez da caminhada elegante e desafiadora, o coitadinho saltitava. Isso, porém, não o impedia de voar e comer. Menos mal. Justinho agora, catava bichinhos no chão, em frente à padaria.

Perto de sua casa havia joões-de-barro. Seu canto, pareado com o da fêmea, num crescendo irresistível, era um hino de resiliência e o acordava todas as manhãs para as promessas do futuro. Essa alvorada musical já o havia tirado de muitas tormentas íntimas. Agradeceria sempre aos joões-de-barro.

Antes de viajar, a costumeira conversa com a mulher. Ela o conhecera assim, sabia dos riscos, não se assustava. Repassavam toda a vida financeira e, se não voltasse, mulher e filho estavam amparados. O segundo, a caminho, na certa nasceria antes de seu regresso.

PMC era a elegante sigla inglesa da empresa que o contratava, mas todos o chamariam de mercenário. Errados não estavam, mas a vida se ganha de muitas maneiras. Essa, em especial, poderia enriquecê-lo em pouco tempo. Wagner iria salvar vidas por encomenda, mas, para cumprir o contrato, poderia ter de matar... ou morrer. Melhor não, melhor era voltar vivo e sem mais peso na consciência. Sabia, no entanto, que isso não dependia só dele.