Guida guardava muitas mágoas da sua família. Primeiramente, por ser ela uma filha ilegítima, e bem cedo ficou órfã de mãe, sendo criada pela avó paterna. Dona Dulcineia destilava todo desdém possível em face de Guida. E, cedo determinara que a menina iria seguir a vocação religiosa e tornar-se freira. Guida fora internada em uma escola dirigida por irmãs carmelitas. Seu pai, Guilherme, a visitava religiosamente uma vez por mês, quando deixava o numerário para  Dulcinéia prover a filha.  Guida passou boa parte da vida estudando num colégio católico com franca orientação para torná-la futuramente uma religiosa praticante. Guida seguia a sina resignada e, não teve uma infância e nem juventude como todas as demais pessoas. Sofria muitas restrições e, privações não apenas de afeto, mas, principalmente, as de natureza social e familiar. Guida estava destinada à clausura e a abstinência sexual. Quase numa punição transversa do adultério do pai. Tornara-se noviça e, perguntaram-lhe qual era o seu maior desejo para a cerimônia e, ela timidamente falou gaguejando que era a presença do pai... A avó logo "amarrou a cara"  e não lhe prometera nada, mas disse que falaria com o filho. Para ser freira, a noviça precisa ser consagrada e assumir um estado perpétuo e sagrado, não sendo apenas uma profissão. Guida escolhera o nome de Maria da Conceição para seguir na vocação religiosa. A festa da santa era no dia 8 de dezembro, portanto, próximo as festas natalinas. Surpreendentemente, Guilherme fora na consagração da filha de noviça. Fora sozinho, todo de preto e, depois da missa foi ao confessionário... E, lá confessou o seu adultério, a existência da filha bastarda e, mais, que ela se tornara noviça. Uma pessoa devotada à Deus e à caridade. O padre ouviu e aplicou-lhe a penitência e, afirmara que como jamais desamparou a filha, e seu pecado tinha sido parcialmente sanado. Guilherme, então, respirou aliviado. Fez o sinal da cruz e saiu do confessionário. Cumprimentou, discretamente, Guida e, acenou-lhe com o chapéu... Passaram-se dez anos, Guida prosseguira na vida religiosa e fora para o interior de Mato Grosso. Guilherme adoeceu e teve um cancer na próstata e, como estava viúvo, terminou seus dias sozinho num hospital desértico. Guida, quando soube, veio visitar a sepultura do pai. Jamais guardara rancor, apenas sentia pena por não ter conhecido melhor. Talvez, fosse uma boa pessoa. Um pecador como tantos outros. Ou não, de qualquer jeito, devia-lhe respeito, pois era seu pai. Sussurrou baixinho no túmulo: - Sempre lhe perdoei, vá em paz. Meu pai.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 16/11/2023
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