Contos de Minas - O Nó. Eu apoio o #Memorial Recantista#

O Nó

O jovem casal, carregando o muito pouco que tinha, roupas e quase nada mais, chegou na fazenda. Determinados, acreditaram estar ali a oportunidade que procuravam para solidificar a família recém iniciada.

Maria Augusta era bem bonita e ativa, demonstrava disposição para enfrentar os desafios que surgissem, despertou logo a atenção e cobiça do fazendeiro Coronel Tito, assim era tratado e gostava do apelido.

Antônio Samuel era acostumado ao trabalho pesado, sabia praticamente tudo da lida nas fazendas do seu tempo. Sua destreza, força e conhecimento, satisfazia ao que o Coronel Tito exigia para o cargo de administrador de suas propriedades. Entretanto, foi o interesse do Coronel por Maria Augusta, que determinou a contratação do casal.

Foi já pensando em Maria Augusta, que o Coronel ordenou o remanejamento entre os colonos, fazendo com que a melhor moradia dali, fosse destinada aos dois. Mandou que mobílias fossem colocadas, incluindo as arrumações mínimas necessárias, visto que eles nada trouxeram.

Os dias passavam e o interesse do coronel por Maria Augusta, ia aos poucos ficando transparente, e ela percebia. Não correspondia, no entanto sua indiferença parece que surtia efeito contrário, o coronel dia a dia ficava cada vez mais interessado. Planos para afastar Antônio Samuel, por algum tempo dali, começaram a surgir nos pensamentos do coronel. Não bastava afastar o marido, teria que conquistar a mulher, algo que lhe parecia difícil, ela não lhe dava nenhuma confiança.

Estava na época do coronel viajar a negócio, ele costumava ir comprar bois em uma região distante dali uns três dias a cavalo, de sete a oito dias se fosse tocando a boiada. O coronel sempre comandava os peões que conduziam os bois pelas estradas, desta vez ele atinou de fazer as compras, para depois mandar que os fossem buscar. Nos seus planos, mandaria Antônio Samuel comandar a tropa, que buscaria no tempo certo, os bois que ele iria comprar. Com Antônio Samuel, ausente, acreditava que conseguiria o seu intento de ter Maria Augusta.

Dona Conceição, viúva, mãe de Maria Augusta, residia em uma casa modesta na cidade, sede do município onde estava situada a fazenda, numa distância aproximada de vinte e cinco quilômetros. Era rezadeira conceituada, tinha o respeito de todos. Contavam que ela possuía poderes inexplicáveis. Na sua experiência, sabia dos perigos que uma mulher estava sujeita naquele lugar, naquele tempo. A formosura de Maria Augusta aumentava a sua preocupação. O assédio partindo de homens inescrupulosos, a fez se encher de precauções. Ensinou sua filha a agir diante de situações inevitáveis, quando o dizer não a algum deles seria inútil, perderia na força física. Ensinou a ela a matreirice, a arte da sedução pela conversa, a adiar o ato, possibilitando um pedido de ajuda. Elas tinham um código especial para ocasiões assim. Dona Conceição, com a dor, aprendera a se defender, aprendera também a atacar, a reverter situações difíceis.

O Coronel Tito viajou, comprou boiada nova de diversos criadores, deixou combinado o período da retirada e que ela seria feita pelo seu capataz, Antônio Samuel.

Premeditadamente o Coronel planejou a comitiva e só comunicou a Antônio, que seria ele o chefe da comitiva, no último momento, tranquilizou-o de que os outros peões sabiam os caminhos e as propriedades onde teriam que ir. Antônio Samuel ficou reticente, o cavalo que ele treinara para seu uso, era novo, não tinha ainda nenhum treino na lida com grandes manadas, mas confiou em si mesmo e foi. A comitiva partiu com retorno previsto em quinze dias.

Ficou tudo acertado que Maria Augusta iria para a casa de sua mãe, na cidade, o Coronel se comprometeu que algum empregado a acompanharia no percurso considerado longo e com riscos. Logo que amanheceu o dia, o Coronel, ele mesmo quis acompanhá-la, mas ela simulou não estar se sentindo bem, propondo deixar para o dia seguinte. Ele desconfiou, mas deixou passar. Voltou depois a convidando para almoçar com ele na casa grande, insinuou que sua mulher nada significava. Ela, sabendo bem o que estava por vir, disse que ainda não estava bem, mas que iria sim almoçar com ele. Ela não o contrariava, precisava iludi-lo, fazê-lo pensar que ela cederia às vontades dele, somente assim, as coisas poderiam tomar o rumo que ela pensava, que lhe possibilitasse por em prática a estratégia combinada com sua mãe, em caso de necessidade. Ele foi direto, disse a ela o que queria e que ela não ousasse a lhe dizer não. Ela aprendeu bem a lição de sua mãe, calmamente, disse-lhe: hoje realmente estou muito nervosa, não estou bem, amanhã passamos a noite juntos, na minha casa ou na sua cama se o Sr. quiser, garanto que nunca teve em seus braços uma mulher como eu, que nunca teve o prazer que terá comigo, somente peço que seja amanhã, pois terei tempo de me preparar, de estar pronta, eu também te quero, coronel! Avançou e deu-lhe um beijo molhado no rosto. Despediu-se, dizendo um até amanhã. O Coronel ficou estático, o seu desejo converteu-se em paixão.

No dia seguinte, logo que o dia clareou, o Coronel foi atá a casa de Maria Augusta, ela, no entanto, fingia dormir, ele teve que esperar pacientemente ela abrir as janelas, o que aconteceu um tanto tarde, fazia parte da estratégia deixar o homem ansioso. Antes de aparecer para ele, ela se arrumou com todo esmero, ficou o mais bonita que podia, vestiu-se insinuantemente. Abriu a porta e retribuiu o bom dia com um sorriso, mordiscando discretamente o lábio inferior esquerdo, dando um toque suave de malícia. Ele avançou para um beijá-la na boca, ela correspondeu, porém, defendendo-se com as mãos no peito dele dizendo: “calma Coronel, a nossa hora está chegando” e emendou; posso chamar o senhor de Tito? Sinto-me mais livre assim. Ele estava embriagado pela paixão, não fazia objeção alguma a qualquer proposta dela. - Tito, preciso que me faça uma coisa muito importante, quero aproveitar esta noite para ser a mulher que sempre sonhei. Vou-me deitar com você, um homem bonito e poderoso, tenho que estar pronta como nunca estive antes. Preciso que mande buscar em casa de minha mãe, os meus preparos, que eu guardei para usá-los com a pessoa certa. São meus perfumes e a medalha de Afrodite, a deusa do amor. Minha mãe me passou essa medalha. Era da avó da minha avó. Com esses meus preparos, Tito! Vou ser a mulher mais fogosa, que igual nunca existiu.

A paixão dominou completamente o Coronel, ele pensou sim na longa distância até a cidade. Mandar outra pessoa ir no lugar dele, ele não queria, era algo muito íntimo, com a importância que não lhe permitia confiar em alguém que não ele mesmo. Cinquenta quilômetros, ida e volta a cavalo era uma grande distância, horas a fio em marcha apressada. Calculou, sabia da demora, esqueceu-se, no entanto, de pensar no quanto estaria desgastado ao final da viagem. Mandou selar dois de seus melhores cavalos, a distância exigia o descanso de cada cavalo em partes do percurso, pegou com Maria Augusta, o bilhete dirigido à mãe dela, leu o bilhete para certificar-se de que não haveria nenhuma dúvida, rumou para a cidade sabendo que noite a dentro ainda estaria na estrada.

Beirava as quatro da tarde quando o coronel chegou na casa de Conceição. Ela leu o bilhete e entendeu de imediato que se tratava de um pedido de socorro de Maria Augusta. Tratou o coronel com uma cordialidade incomparável, conseguindo camuflar seu verdadeiro sentimento, conseguiu esconder sua ira e asco que sentia em relação a ele. Em uma pequena bolsa de cetim verde, entregou ao coronel o que Maria Augusta havia escrito no bilhete. O código entre as duas, inteligentemente foi utilizado, sem que o coronel nada percebesse. Quem Conceição encarregou de cuidar dos cavalos do coronel, sabia muito bem o que precisava ser feito, no curto período disponível, a conta de dar água e comida e verificar as selas. Na água da montaria principal, foi colocada uma dose elevada de calmante e embaixo da sela do cavalo reserva, foi colocada pasta de pimenta e alguns grãos de areia.

O coronel montou e seguiu o rumo de volta. Sabia que iria chegar um pouco tarde, mas não se preocupou, pensou que iria valer a pena todos aqueles quilômetros em cima de um cavalo. Estava acostumado, conhecia bem o caminho, chegaria com tempo suficiente para ficar com Maria Augusta. Só pensava nela e no quanto bom iria ser.

Com alguns quilômetros andados, o sol já se pondo, o crepúsculo ameaçando no horizonte, o cavalo começou a não obedecer, foi diminuindo a marcha, ao ser apertado na espora, deitou-se e não mais levantou. O coronel montou então no cavalo reserva, deixou o outro lá deitado, tirou-lhe apenas as rédeas, crendo que ao se levantar iria sozinho pra fazenda. Em um curto percurso cumprido, o cavalo começou a ficar inquieto, a dificultar o domínio. O coronel era acostumado, conhecia a doma, nas oportunidades quando surgidas, exibia suas habilidades montando animais xucros. Com os grãos de areia ferindo e a pimenta queimando, o cavalo endoideceu e o coronel foi ao chão desacordado. O cavalo desapareceu a galope pela pastagem e mata, sem cercas, à beira da estrada.

No meio da noite, em horário que não imaginava, o coronel acordou do seu sono. Na penumbra, só conseguia ver um fogão de lenha improvisado, com alguns tições em brasa. Viu sentado em um toco feito banco, um caboclo com o olhar fito nele. Sentiu que estava imobilizado da cintura para baixo, porém, seus braços e mãos estavam livres, estava sem camisa. A calça encobria o seu estranho desconforto. Levou as mãos para tentar se soltar, o desconfortou aumentou, obrigando-o a parar. O caboclo quebrou o silêncio, dizendo: Vi quando eis trocéro ocê pra cá pa minha casa. Eis são das mandinga, dus feitiçu, eu fiquei iscundido atrais du barranco. Ocê tá perdidu, vai dexá de sê omi. O coronel, novamente levou as mãos para livrar suas intimidades do desconforto, mas a situação se agravou, começou uma dor no lugar do desconforto. Num tem u qui fazê, disse o caboclo, é mió num si mexê, cada mixidu u nó aperta mais, inté torá, fazeno as bola caí nu chão. Te dou o dinheiro que quiser se me soltar, disso o coronel ao matuto. Num sei sortá essi nó, essi arame é fininho, mais ninhum caniveti i ninhuma turquêis cunsegue cortá ele. Só si dismanchá a mandinga, aí u nó fica froxu. Tenho muito dinheiro, se me ajudar a escapar, a minha maior fazenda será sua. Uai, eu num sei mexê cum fazenda nem dismanchá feitiçu, tem qui chamá a rezadera lá da cidade, ela é qui mexi cum essas coisa. Eu te dou o que falei pra você trazer essa rezadeira agora mesmo. Só a dispois que o dia clariá pá eu saí na istrada, us lobizome i as mula sem cabeça vive sorto, eis corre pra lá e pra cá na istrada na mardugada.

Já passava do meio dia, a hora em que Dona Conceição chegou onde estava o coronel. Ele estava exausto, depois da sua ida até a cidade e o acontecido com os cavalos na volta, ter que permanecer imóvel por tanto tempo, colocou sua resistência física e psicológica no limite. - Coronel, o que posso fazer pelo senhor? Tira-me dessa situação agora! Que situação Coronel? Desfaz esse nó! Parece que o senhor não aceita o não como resposta, não é assim? Ele se lembrou de Maria Augusta, foi exatamente isso que ele disse a ela, que ela nem pensasse em lhe dizer um não como resposta, quando ele a assediou. A simples reação dele, ao ouvir o que lhe disse Dona Conceição, fez o nó apertar mais um pouco, agravando a sua dor. Por favor, te pago o quanto quiser pra me libertar. O senhor acha que o dinheiro compra tudo não é? Pois se for por causa de dinheiro eu deixo o senhor virar um capão, não me interessa nem um mil reis do seu dinheiro. A sua sorte, coronel, é que eu não tenho compromisso com nenhum mal feito, as coisas que faço são abençoadas, são da luz, então o senhor vai sair sim dessa situação, eu vou lhe tirar, a penitência o senhor vai ter que cumprir e não sou eu quem determina, qual é a penitência e como vai ser praticada. Tudo me é falado aos ouvidos, eu só falo o que me disseram. Tem outra coisa, pra eu te soltar desse nó, meu genro Antônio Samuel vai precisar me ajudar, ele sabe soltar o nó. Vai ser preciso eu orar enquanto ele vai soltando, minhas duas mãos ficam postas enquanto oro, as mãos dele vão soltando o arame conforme as palavras que eu vou dizendo.

Ouvir da necessidade de Antônio Samuel, para ajudar na sua libertação, deixou o coronel atordoado, desesperado. E se o que ele preparou para que Antônio não voltasse vivo, já tivesse sido feito? Perguntou o coronel a si mesmo. E o tempo que iria levar até que alguém chegasse na comitiva, e o tempo que seria gasto na volta, ele pensou em tudo isso em poucos segundos. Se Antônio estivesse morto, o que seria dele, imaginou. Imaginou também que dona Conceição pudesse desconfiar dele, caso algo tivesse ou viesse a acontecer com o genro dela.

Conceição disse ao coronel, que empregados dele tinham sido avisados para irem até lá onde ele estava, que ele desse as ordens e as instruções para trazerem Antônio de volta. Conceição também deixou para ele decidir se ficaria acordado todo o tempo que demorasse, muitos dias, era certeza, ou se preferia que ela o colocasse em sono profundo, e só fosse despertado no momento do nó ser desfeito. Acordado, teria que permanecer imóvel, dormindo não havia risco do nó apertar mais do que já estava.

Junto com as ordens e orientações para a volta de Antônio, foi determinado também, exigência de Conceição, que Maria Augusta fosse acompanhada até sua casa na cidade.

Diante do seu desgaste físico e o risco daquele nó apertar até torná-lo “inválido”, consciente de que nada podia fazer, visto que, era um refém da situação, ele decidiu que dormiria até o momento do nó ser desatado. Um chá lhe foi dado e palavras foram ditas, o coronel dormiu.

Dias passaram, o momento chegou, o coronel foi despertado já com grande alívio, Antônio Samuel estava bem vivo ali diante dele. Pensou um pouco preocupado, se alguém desconfiou da sua trama para eliminar o rapaz.

Coronel, vou dizer agora a sua penitência, que disseram aos meus ouvidos. O nó vai ser desfeito, mas o efeito dele vai durar cinco anos. Nesses cinco anos o senhor não vai se interessar mulher nenhuma. Não será impedido que se interesse por algum homem. Ao ouvir, o coronel deu um grito de irritação e em seguida um grito de dor, o nó apertou bastante. Foi por muito pouco, o nó apertou no limite da castração, disse Conceição ao Coronel, e perguntou: o senhor aceita a penitência? Aceito, é claro que aceito, disse ele convicto e contrariado.

Pronto, coronel! O senhor está livre. Como? Vocês não fizeram nada! O senhor está ainda sentindo o nó? Não estou sentido nada, mas… - Segue o seu caminho, coronel! Não olha para trás.

Envergonhado com os próprios sentimentos, o coronel Tito, entregou suas fazendas a administradores e foi desfrutar da vida noturna do Rio de Janeiro.

JV do Lago
Enviado por JV do Lago em 16/11/2023
Reeditado em 17/11/2023
Código do texto: T7933516
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