O jardim de Violeta

Sigo pela rua Guilherme Marback e uma casa chama minha atenção. O portão de entrada está aberto, e na trave acima dele há uma placa: Casa de repouso e oração. Entrando, sou recebida por um pequeno jardim com vasos de plantas e de flores e o sorriso franco dela.

Na casa, todos os dias, há uma espécie de romaria. Cedinho, as pessoas começam a chegar. Alguém poderia pensar, ao passar ali, que seria um lugar para descanso com uma capela, porém, naquela casa antiga, havia muito mais. Ali, além de alimentos para a alma, distribuem também alimentos para o corpo. Os donativos são preparados e servidos à medida que chegam. “Veja como nunca faltam”, ela me diz.

À medida que avançamos, vejo moribundos, doentes, crianças e idosos esfomeados, jovens de expressão agressiva, contudo contidos pela fome. Sinto um misto de compaixão e medo. Ela, no entanto, vê flores por toda parte. Plantinhas vivas, que podem ser cultivadas, que podem dar frutos. Ela vê esperança. E olha para todos, sorrindo, acenando, tocando alguns no rosto, nas mãos. Anda devagar. Na varanda um adolescente se alegra com sua chegada. Seu jardim está repleto. Mais um dia de trabalho com as preciosas flores de que se encarregou de cuidar. Aos poucos vai regando cada vaso, algumas flores são mais espinhosas, outras murchas, já sem cor, sem brilho. Precisam de terra, de água, de ar e de sol.

Eu fico ali, parada, assustada, comovida, e observo cada reação. Eles olham para mim cismados, arredios. Olham para ela com amor, o amor das flores, simples e selvagem, antigo como a terra. Daquele garoto de feições agrestes emerge uma leve, quase imperceptível ternura, os ombros relaxam, a mão se estende. Aquele senhorzinho vestido de trapo, com mãos e pés encardidos e olhos sempre fitando o chão, eleva-os. E as mulheres, esquálidas, carregam filhos escanchados na cintura e se derretem em sorrisos para ela.

À direita da casa há um salão aberto, com várias mesas grandes dispostas em filas, com bancos compridos em ambos os lados. Todos os lugares estão ocupados. Encostadas na parede mais outras cadeiras ocupadas. Cinquenta pessoas nas mesas, mais umas dez sentadas ao lado e outras vinte ou trinta em pé, esperando sua vez. A maioria em silêncio. Um garrafão com água e alguns copos à disposição. Alguns idosos com o cabelo e barba por fazer, roupas sujas. Outros, mais jovens, arredios, irritados, resmungando, resmungando e implicando com o companheiro ao lado. As crianças de olhos atentos, brilhantes. Todos esperam a comida. São onze horas da manhã, e o sol está quente, muito quente.

Ela veste-se com um hábito azul bem claro. É pedagoga e professora de inglês. Diariamente se dirige ao santuário de Irmã Dulce dos Pobres, recolhendo-se em oração. Depois, vai ao salão de sua casa e começa a acolher com o dom da palavra. Uma voz suave e mansa. Conta a fábula de uma águia que tinha quebrado o bico e precisava de ajuda das outras águias para se alimentar. Ela entende a língua dos pássaros e a traduz em sabedoria para nós. Ensina a partilhar. Chama os presentes a olhar para dentro de si mesmo e encontrar vida. Segue falando de Jesus, ensinando a amar, plantando paz, colhendo esperança. “Aprender a amar ao Senhor na figura dos outros”, como ela sempre repete.

Olha nos olhos de cada pessoa, um profundo olhar azul que contagia, serena a fome de amor e acalma a fome do estômago. Após alguns minutos ela se retira. Eu fico e continuo impactada, impressionada, emocionada. Já não vejo roupas sujas, olhares agressivos, fome. Vejo, através do olhar dela, almas. Seu ajudante, voluntário, apresenta as regras da casa. Fala firme. Pede ordem e silêncio. Conta que alimentam duzentas pessoas por dia e que, para isso, é preciso método, organização.

Ela retorna.Toca em cada um, acarinhando os mais sofridos, orienta para que façam uma fila e preocupa-se com os que estão em pé. ”Ainda quero colocar bancos lá fora, embaixo das árvores, para que todos possam sentar”, diz-me. Recomenda mais paciência a um, agrada ao outro, e vai seguindo seu passeio entre os famintos. Suas mãos se estendem a todos. Sua casa e seu coração são moradas de Jesus.

Todas as manhãs essa cena se repete. Todas as manhãs muitos moradores de rua no bairro do Bonfim buscam essa casa que os acolhe, com alimento, com amor, com respeito, não pede história pregressa, pois, como ela mesma diz, “Até Hitler é nosso irmão” e “Onde há vida, eu não posso desprezar”.

O repouso dessa casa está além do corpo e a oração além das palavras.

Esse é o jardim da Irmã Violeta.

Também eu voltei para casa alimentada.