Mente Prisioneira
Ela havia sido presa fazia três semanas. Parecia mais uma eternidade.
Ela se achava tão perfeita, tão esperta. Toda vez que fugia conseguia voltar a tempo de ser capturada. Mas não dessa vez.
Sempre amargurada, se trancava em algum lugar e ali ficava durante horas. Esquecia-se das obrigações e da realidade. Até que seu irmão a importunava e sempre lhe entregava uma chave, pedindo pra que não a perdesse. Ela furiosa com a intromissão do irmão lhe jogava ofensas e verdades dolorosas sobre sua vida sombria, e então ele ia embora com esperanças de que ela um dia percebesse que não poderia viver sem ele.
Mas agora, presa em algo semelhante a uma caixa de fósforos, com pregos em uma porta sem maçaneta e na escuridão onde só se entra a luz pela fresta da fechadura, ela deixa escorrer pelo rosto a lágrima que com muito tempo esperava ser liberta.
Queria escapar, ser livre novamente. Pensava em seus amigos e no castelo em que tempos atrás havia descoberto. Como poderia ela ter a tanto tempo atrás questionado a vida que levava? Agora tudo fazia sentido. E então começou a lembrar do dia em que foi confinada na prisão.
Num dia tão comum como qualquer outro, ela deixou novamente a realidade e se trancou em seu quarto. Fechou os olhos e entrou em seu mundo secreto, onde somente ela conhecia o caminho.
Neste paraíso, o ar era tão agradável, a água tão cristalina e os aposentos tão perfeitos que ela se esquecia que a qualquer momento seu irmão a chamaria e a incomodaria com as obrigações da vida.
Mas então cansada de interrupções, resolveu não dar mais ouvidos a ele. E assim durante três dias seu irmão a chamou, mas ela estava disposta a ficar no castelo.
Uma semana se passou, e cada vez mais ela explorava seu castelo invisível às outras mentes. Até que um dia encontrou uma porta de ouro, a última a ser explorada. Aproximou-se para abri-la e neste momento escutou a voz sussurrante de seu irmão implorando para que voltasse e que deixasse ajudá-la. Mas o desejo de entrar nela era tão grande que já conseguia ignorar a voz.
E assim, tentada pelo brilho da porta pousou a mão no lugar onde deveria ter uma maçaneta, e então percebeu que faltava uma chave. Vasculhou os bolsos e a encontrou, tão bela, tão perfeita e única.
A porta se abre no momento em que a chave é inserida e girada. De repente uma luz forte, ofuscante, invade o castelo inteiro ao sair de dentro da porta. E nada mais se vê. A luz é tão convidativa que ela não resiste e avança um pé pra dentro. Mas antes, por um momento lembra-se da voz de seu irmão, não a ouve mais e sente que há algo errado.
Tenta ouvir qualquer barulho, qualquer som que possa mostrar que ele está por perto. E então quase que imperceptível ouve o som de palavras “Não vá, volte. Este não é o caminho bom que aparenta ser...” ela então pensa por um dia. Presa entre os dois mundos. Mas estar diante daquilo que por tanto tempo desejou entrar e voltar pra trás era algo tão terrível que mesmo assim entrou.
Neste momento nada mais se ouve. Apenas sua respiração, tudo está mudo e escuro. A porta se fechou. E então se dá conta que está em quatro paredes, sem espaço.
Ela em seu desespero se machuca ao tentar tocar a porta, pois há pregos. Não há maçaneta, apenas o buraco da fechadura. Mas onde está a chave? Do lado de fora, ela terá que esperar pelo socorro, por alguém que possa abrir porta.
Duas semanas se passam e ela se lembra que ninguém sabe onde fica seu castelo. Então uma lágrima se desprende de seu olho a tanto tempo fechado.
Sente falta do irmão e de sua voz. Queria sair do castelo e de sua sala sombria. E foi em sua total desesperança que ouve o trinco girar, e então a porta se abre. Demora um tempo até que possa abrir totalmente os olhos, pois a claridade tão bem conhecida antes a incomoda. Mas por fim, ela os abre e então vê o irmão com a preciosa chave na mão. Ele lhe sorri e a tira de seu confinamento. A abraça forte e a leva de volta vagarosamente à saída do castelo.
Assim, seu irmão a razão, consegue salvá-la do castelo, sua mente. Mostra a realidade e de quase se perdeu nos pensamentos sombrios. E em seus braços, a razão novamente lhe entrega a chave e alerta “cuidado com as portas que vai abrir em sua mente, talvez eu não encontre você na próxima vez”.
Ela chorosa entende que tem de tomar cuidado com os pensamentos. E não desejá-los tanto a ponto de viver para eles.
Talvez ela consiga controlar o desejo de viver em um lugar que lhe faça completamente feliz, talvez não. Porque sabe que no fundo a razão estará sempre procurando por ela
Contudo uma pergunta lhe passa pela mente, e se ela ficasse presa para sempre em seu pensamento sombrio, eu sua mente perigosa? E se ela não conseguisse acordar?
Será que seria chamada de louca por viver em seu mundo?
Quantas vezes nos deparamos com o nosso próprio castelo? Quantas vezes nossa razão nos chama para realidade? Cada vez torna-se mais difícil deixá-los. Nossas mentes nos fazem os melhores e mais felizes, até que a razão nos lembra de que é apenas uma ilusão e de que precisamos viver o real.
Talvez ela, a razão, se canse um dia de nos salvar e ficará perdida em nossos castelos. Desse dia em diante ninguém saberá o fim, ou talvez saiba, se conseguir responder o que acontece a alguém prisioneiro da própria mente.