Chimarrão, O Néctar dos Deuses

- Ô mãe! O quê é mesmo o néctar dos deuses? – Téy fazia seus temas de casa e recorria à mãe sempre que tinha alguma dúvida.

- É o chimarrão! – Respondeu a Botherzinha sem nem ao menos pestanejar.

- O chimarrão? Tens certeza??? – Téy estava com a mitologia grega na cabeça, mas confiava tanto na sabedoria da mãe que arregalou os olhos, indagativa. - Mas não era aquela bebida feita com mel... não consigo lembrar o nome...

- Ah, sim, o hidromel. Isso lá pras bandas da Grécia Antiga. Os deuses do Olimpo comiam mel e preparavam a bebida com o mel fermentado. Também faziam a deliciosa ambrosia... Bom, mas nada que se compare ao nosso Chimarrão, tchê! – A Botherzinha piscou o olho e riu de sua própria piadinha gauchesca.

Enquanto a Téy estudava, a Botherzinha lia o seu inseparável jornal tomando chimarrão junto com a filha. Téy resolveu fazer uma pausa. Pegou então a cuia e sentou-se ao lado da mãe no sofá. Girava a cabeça demonstrando sua curiosidade com o comentário sobre o chimarrão ser o néctar dos deuses.

- Botherzinha, agora tu vais ter que me contar direitinho essa história do chimarrão...

- Bem, não sou eu quem diz isso! Os próprios índios Guaranis é que o consideravam assim. Tem a ver com a lenda da erva-mate. Queres mesmo que eu te conte?

- Claro, tô curiosíssima!

Mãe e filha se acomodaram bem no sofá e iam sorvendo o chimarrão, acompanhado por deliciosas bergamotas, numa roda de duas mateadoras. A Botherzinha passou então a contar, toda empolgada, sobre uma versão da antiga lenda dos índios Guaranis que ela sabia. Muito criativa e cheia de conhecimentos, ela ia acrescentando ainda outras informações que considerava relevantes.

"Há alguns séculos, em algum recanto da região dos pampas, numa tribo dos índios Guaranis, havia um Pajé meio velho que tinha uma filha chamada Caá-Yari. Era uma moça muito bonita e prendada já em idade de se casar. Caá-Yari contudo, amava tanto o seu velho pai que, mesmo apaixonada por um bravo índio guerreiro, não revelava esse segredo, pois ela sendo filha do Pajé, quando se casasse, o marido viraria um chefe da tribo e ela teria que, por obrigação, acompanhá-lo em suas longas viagens. Temia que seu pai não aguentasse de saudade, sem a filha por perto...

Por sua vez, o Pajé adivinhava em seu peito o drama da filha e não queria atrapalhar a vida dela. Porém, sentia-se fraco e não sabia o que fazer. Ele até rezou para que Tupã o auxiliasse. Foi então que um dia apareceu na tribo um viajante desconhecido precisando de abrigo. O velho Pajé, mostrando-se muito hospitaleiro, o acolheu com gentileza. O viajante inteirou-se da situação entre pai e filha e antes de despedir-se, presenteou o Pajé com uma muda de uma planta e explicou-lhe seus poderes especiais. Nesse momento, o velho Pajé percebeu que o viajante era um mensageiro de Tupã que aparecera para atender seu pedido desesperado..."

- Um mensageiro de Tupã, Botherzinha? Seria o equivalente a um anjo?

- Hum, sim... é bem isso... essa lenda conta como foi que os índios descobriram como preparar o chimarrão, tchê! – A Botherzinha já antecipou a moral da história. – Xi, não era pra eu ter me adiantado, deixa eu terminar a lenda da erva-mate!

"Imbuído de afeto, o mensageiro de Tupã entregou também ao Pajé uma cuia de porongo e explicou-lhe como preparar uma bebida quente e potente com as folhas daquela árvore. O Pajé agradeceu-o com fervor e logo se pôs a preparar o tal mate amargo. Seguindo as instruções do mensageiro de Tupã, os índios passaram a tomar o chimarrão em rodas de conversas amigáveis. Com o tempo, o Pajé recobrou suas forças, não temia mais a solidão e sentiu-se forte até mesmo para acompanhar sua filha nas viagens com o marido, o novo chefe da tribo! Foi assim que o chimarrão passou a ser o néctar dos deuses para eles..."

- Nossa, Botherzinha... que lenda bonita! Eu não sabia nada disso.

- Pois é, Téy... E eu fico faceira em poder ter te contado! – Disse a Botherzinha com a cuia na mão. – Ah, me esqueci de dizer que daí vem que o chimarrão é um símbolo da amizade, da hospitalidade, uma bebida que une os amigos.

- Que lindo! E tu sabes qual é a origem da palavra chimarrão, ou mate?

- Bom, eu andei procurando no dicionário nos meus tempos de professora... Mate vem da língua dos índios Quíchua, matty que é a cuia usada para receber a erva triturada e a água quente. Já a palavra chimarrão, vem do espanhol da região do Rio de la Plata, cimarrón, atribuída às plantas silvestres, em oposição às cultivadas...

- Fantástico, Botherzinha!!! Eu só sabia o nome científico da erva-mate que é Ilex paraguariensis... porque aparece nos pacotes de erva-mate!

Mãe e filha riram e seguiram tomando o mate amargo, tão gostoso. Antes de retornar aos seus estudos, porém, a Téy consultou na internet algumas informações extras. Aquele papo com a mãe aguçara sua curiosidade. Por que será que o velho Pajé recuperara as forças e não sentira mais medo da solidão?

- Botherzinha, aqui está o porquê!!! A erva-mate tem propriedades incríveis para combater a anemia, a diabetes e até a depressão. Tem um alto valor nutricional, um montão de vitaminas e sais minerais... Ah, e olha só aqui, além de tudo isso, ela ainda é anticancerígena e retarda o envelhecimento...

- Mas bah, Téy, tomando esse Néctar dos Deuses.... é por isso que nós somos assim tão jovenzinhas e alegres, tchê! – A Botherzinha fez um brinde com sua cuia de chimarrão e as duas caíram na gargalhada...